A bicicleta no processo civilizatório joinvilense

A bicicleta, ainda sem pedais, desde quando aqui chegou, trazida pelo Sr. Carlos Schneider, mudou completamente a paisagem social, econômica e política de Joinville. Além da saúde!

É um veículo que se locomove com a força do próprio conduzido, razão porque ciclistas joinvilenses, até 1950, quase não tinham nádegas. Elas se atrofiaram pela falta de uso, eis que tal volume corporal é que impõe a verticalidade da coluna, quando se caminha com os pés próprios. Na bicicleta se apoia no selim e no guidão. Observe-se, a propósito, as figuras do saudoso Fritz Alt, no Monumento aos Imigrantes, ali na Praça da Bandeira, cujos modelos masculinos não têm fundilhos, são quase retos.

Evidentemente que os colonizadores, pelo pouco uso da bicicleta, não tinham esta deformidade anatômica. Mas os modelos de que se serviu FRITZ ALT já as tinham. Eram ciclistas. Conversei com o Fritz, um fraternal amigo, a respeito e ele achou válida a minha observação. O detalhe está gravado nas figuras de bronze. Então lhe chamei a atenção para outro detalhe anatômico: as mulheres, que andavam de bicicleta desde muito cedo, até 1970, tinham a cintura excepcionalmente alta. Via de regra pedalavam as bicicletas dos pais ou irmãos mais velhos por dentro do quadro, não apoiadas nos selins e guidões.

Estas diferenças anatômicas, fruto do trabalho ou, mesmo, da diversão, são notáveis nos filhos de peões de fazenda, com as suas pernas arqueadas; dos pescadores, pela falta de dentes com o uso da tarrafa, mas com ombros alargados pelo remo. Há famílias joinvilenses, cujos membros mais antigos têm nádegas ainda mais secas, pelo uso da bicicleta desde os mais tenros anos de idade até 1970, quando começou a utilização de ônibus e automóveis.

Em prejuízo à saúde de todos, ao contrário da bicicleta que não polui. Mas fortalece os músculos, principalmente do coração, como o comprovou o cardiologista Dr. Octávio Paes, que residia na antiga Rua das Missões, hoje Marinho Lobo; e que voltou para São Paulo, tendo dito na despedida que voltava para lá porque em Joinville eram raros os cardiopatas. E os colegas existentes na cidade eram bastantes para atender a este tipo de clientes.

A descoberta da bicicleta pelos colonos do oeste e do norte da Colônia Dona Francisca causou uma revolução nos seus hábitos, especialmente da vida econômica.

Agora os carroções, tipo Sãobentowagen, puxados por parelhas de cavalos, nos quais levavam para o Centro os produtos das suas criações e das suas lavouras e, via de regra, estacionavam à margem do Rio Mathias, formando uma grande feira, estavam substituídos pelas bicicletas, que dispensavam os cuidados com os veículos e com os animais.

As áreas de terra, de vários morgos* cada, seriam transformadas em loteamentos, reservada uma parte para o plantio e a criação. Cada colono passou a ter os seus clientes próprios a quem entregava os produtos diretamente em casa. A feira foi suprimida em pouco tempo.

As bicicletas levavam no bagageiro produtos coloniais, em cestas de vime ou bolsas de lona/couro, as quais, por sua vez, deixaram de ser artesanalmente produzidas para o serem em pequenas indústrias de fundo de quintal.

E os colonos podiam empregar-se nas indústrias com a finalidade precípua de aposentar-se ou ter os benefícios previdenciários em casos de doença. Não havia, ainda, os benefícios previdenciários e a aposentadoria rural.

Mas os passeios, as festas e as visitas que não podiam ser feitas nos carroções, passavam a ser feitas de bicicletas.

Não só estes, mas, igualmente, o acompanhamento dos comícios políticos, que lhes davam melhor conhecimento dos candidatos, pois era fácil ir da Estrada da Ilha ou Jativoca ao Itaum ou ao centro da cidade, só ou em grupo de vizinhos pedalando o veículo que, logo, ganhou o apelido de cabrinha e/ou zica.

Imediatamente, surgiram as disputas em distância e velocidade com as bicicletas. E com elas os uniformes desportivos, os troféus.  E o carinhoso apelido de Cidade das Bicicletas. As indústrias recebiam pela manhã e despejavam à tarde milhares de obreiros nas suas zicas pelas ruas da Manchester. Também os consertos feitos em casa passaram a ser feitos em oficinas especializadas, com peças adquiridas nos estabelecimentos comerciais do ramo.

A bicicleta incentivou a procura por ensino, pela escolarização. Especialmente, pelos filhos de colonos que podiam, agora, ir ao estabelecimento escolar na sua zica. E foram surgindo as escolas básicas e os cursos secundários. Logo, logo, as faculdades.

E, ante as dificuldades de locomoção com a bicicleta (inclusive furtos das próprias ou de suas peças) alguns empresários, à frente o senhor Abílio Bello e seus sócios Simon Ladoruskye e Samuel Vieira, que adquiriam automóveis usados em São Paulo para os revender em Joinville, criaram linhas de ônibus para várias partes do município e, logo também, para as escolas.

Que, imediatamente, ante a procura, foram substituídos pelos empresários das famílias Harger e Bogo, com ônibus mais modernos e melhores condições.

A inovação, tão discutida e estudada, hoje tão simples, buscada pelo Sr. Carlos Schneider como empresário empreendedor naquela época,  causou uma revolução na Colônia Dona Francisca em todos os setores, apressando o seu progresso e colocando-a à frente de todos os municípios do Estado  Catarinense.

Houve uma época (e não faz muito tempo) que a estatística revelava haver duas bicicletas para cada habitante de Joinville.

Hoje, ao contrário, há um automóvel para cada dois habitantes de Joinville, criando um inferno de mobilidade nas vias, abertas para as cabrinhas, que não poluem o ar a ser respirado, em uma cidade-município que continua em sua maior territorialidade absolutamente plana, como a viu o Sr. Scheneider,  para mandar vir a cabrinha como ótimo meio de locomoção. E de desenvolvimento.

Sem ganhar a estátua que merecia. E continua merecendo!

*Morgo = Corruptela de morgen, área de 2500 metros quadrados que poderia ser cultivada em uma manhã.

Espero que estes apontamentos sociológicos-históricos sirvam ao melhor conhecimento dos fatores determinantes da pujança de Joinville.

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