A geometria do medo (Lufiego)

A GEOMETRIA DO MEDO CONFORME O TEMOR DO POETA

 

O vazio . . . cenário propício para o desespero de seres humanos amedrontados

a opressão psicológica do vazio sobre a mente

a mão poderosa da fatalidade arrancando vagarosamente o meu coração

o paradoxo do limite ultrapassado . . .

estando a linha de chegada metros à frente

frases construídas milagrosamente a partir do nada

a falência da verve literária, permanecendo a página em branco

os olhos fechados pendentes para dentro . . .

 

O féretro que passa é o enterro das palavras

vazias, sem objetivo, obituárias, obliterando o entendimento

e para piorar tudo, onde estão as lágrimas?

No horror dos horrores um homem não chora, nem uma mulher

nem correm acovardados premidos pelos seus temores

correm por outros corredores . . . adversos corredores

escorrem cascata barulhenta, que se derrama sobre o peito

somos água que se desidrata

somos sólidos, telúricos, mas perdemos massa

somos tufos de junco escravos do vento

a quem nos inclinamos temerosos, humildes e subservientes.

 

Nada mais sabemos . . .

que nos liberte dos grilhões do receio à realidade fática

simplesmente, estamos presos

paralisados pelo medo

oprimidos pelo peso da mortalidade

e a única defesa que temos é a confissão:

– confesso meus medos.

Espero a confissão dos teus!

Meu primeiro medo é o espelho

que absorve meus olhos e minha alma

com um olhar insidioso, idêntico ao meu

dele não escondo segredo.

Meu segundo medo sou eu!

É o porfiado combate dentro de mim

que acontece entre elementos contraditórios:
é o medo da vitória do farsante, que esconde a verdade
é o medo do triunfo do visionário, que se perde da realidade
é o medo da prevalência do erro, porque acertar é racionalmente humano
é o medo da oxidação das células antes que tudo se realize.
A mente percebe os contornos eternos de sua própria existência
mas persiste o medo de que o corpo não se sustente para sempre
e depois do puxão de orelha de Schopenhauer
com suas lições sobre a Arte de Escrever
mais do que o medo, bem mais . . . um arder bem mais profundo
uma verdadeira síndrome do pânico em desperdiçar o tempo do leitor
menoscabando o direito à leitura de qualidade.
Então, o que escrever diante da acidez da morte
e do desafio proposto pelo pensador germânico?
Por que escrever se aqueles que mais almejam à eternidade são mortais?
Não me ocorre motivo para escrever se as palavras estão condenadas ao pó.
O pó será varrido pelo vento furioso
e este será engolido pelo derradeiro buraco cósmico
sedento de toda matéria e energia.
Mário Quintana poetizou em nome de nossa humanidade
ao lembrar que a morte não é nada
a vida é tudo
a vida é tudo!
Morrer é fácil . . . o difícil é deixar de viver.
Assim, cantou o passarinho!
Cantou a poesia do gênio
sob o luar nas alamedas de seu porto querido
nem sempre alegre, muitas vezes triste, mas sempre inspirador
sobretudo nas horas crepusculares, nas quatro estações do ano
quando as águas do Guaíba incendeiam o mundo:
ciclopes de fogo digladiam com deuses guerreiros das terras brasileiras
comandados por um ente polizoomórfico
meio macaco, meio cachorro
de olhos raiados de sangue
com escamosas barbatanas de peixe
e um descomunal pênis de anta.
No entanto, continuamos apenas sobreviventes
estamos perdidos entre duas eternidades
e o interregno entre elas é feito de dor e sofrimento.

Neste momento a dor está aumentando

a dor aumenta a cada momento

o sofrimento contamina a química que nos mantêm

e a dor proporciona o vislumbre de outros campos da existência. Oscilamos assustadiços ao sabor do vento insalubre

e nos escondemos num tugúrio de localização incerta

os olhos arregalados, as pupilas dilatadas, a mente desperta

e o coração ainda batendo por pura teimosia.

As nuvens da morte permeiam o céu dominando o horizonte

os abutres famintos parecem negras lamparinas

perfilados sobre os postes ao longo da estrada

o vento, possuído pelo espírito maligno do furacão,

açoita as montanhas e os vales

levantando redemoinhos nas areias das dunas costeiras

e o mar – encapelado – expulsa para a terra os pescadores

que retornam às suas casas tiritando de frio.

Os barcos jazem ancorados, vazios

As praças estão cheias

Os cilindros de oxigênio estão vazios!

 

Marcelo Lufiego

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