Ac. Apolinário leu “Como ser um conservador”, de Roger Scruton

Como Ser Um Conservador

— Apolinário Ternes

Roger Scruton não é um autor desconhecido no Brasil. Ao contrário, tem um conjunto apreciável de obras publicadas pela É Realizações, como agora o seu ‘Como Ser Um Conservador’, publicado pela Record (2014), com tradução de um especialista no pensamento conservador no Brasil, Bruno Garschagen.
O britânico Scruton é um autor de pensamento conservador bastante divulgado atualmente. Professor de Cambridge e do Birkbeck College de Londres (o mesmo de Eric Hobsbwan), tem sólida erudição e, antes de tudo, foi educado numa das famílias mais tradicionais do interior da Inglaterra, com formação de casa que excede em muito a qualquer outra experiência que tenhamos hoje, mesmo na Inglaterra. Como mostra no começo do livro, com a firme presença do pai Jack, um conservador de raízes seculares.
Roger Scruton é conhecido no Brasil pela publicação de quase uma dezena de seus livros (É Realizações), mas na presente obra ele procura enfatizar o mundo conservador mostrando o que chama de verdade no nacionalismo, no socialismo, no capitalismo, no liberalismo, no multiculturalismo, no ambientalismo, no internacionalismo e no próprio conservadorismo. De forma simples, mas objetiva e precisa, o autor discorre sobre os males do nosso tempo, mostrando que o ‘politicamente correto’ é uma doença fatal, que corrói todas as esferas de valor e, de certa forma, coloca o mundo de ponta-cabeça, para usar a expressão tão feliz de outro britânico que se destacou na historiografia, Eric Hobsbwan.
Ser conservador, tão essencialmente uma forma natural dos povos de língua inglesa, é, acima de tudo, estar na contramão da história. Ser liberal, isto é, libertário, é tomar posição contra tudo o que é ou deve permanecer. Assim, em termos práticos, o conservador deseja naturalmente preservar os valores, os costumes, o sentido da lei, as tradições. O liberal deseja mudar, redefinir, circunscrever a forma, de tal forma e jeito que sempre possa ser reconhecido como avançado, moderno, de ‘acordo com os tempos modernos’. Fortemente amplificado pelas mídias sociais, o conservador é sinônimo de retrógado, assim como o liberal simboliza o novo, o atual, de acordo com as minorias. O símbolo maior dos nossos tempos falsamente liberais, é a nova formatação sexual da humanidade. Todos podem escolher qual a opção sexual que desejarem e manifestar qualquer discordância desse direito é violar a norma conceitual do liberalismo, da modernidade ou, para os mais sofisticados, dos pós-modernos.
Outra bandeira dos liberais, em ordem planetária, é o meio ambiente, visivelmente contaminado pelo capitalismo explorador, detentores da ordem econômica que produz a satisfação de cada um dos desejos dos consumidores, mas deve pagar pelos danos que provoca à natureza. O Brasil, com a devastação atual da floresta, é bem um exemplo mundial de como os liberais desejam ‘controlar o fogo’.
Diz o tradutor Bruno Garschagen, ‘o conservadorismo advém de um sentimento que toda pessoa madura compartilha com facilidade: a consciência de que as coisas admiráveis são facilmente destruídas, mas não são facilmente criadas. Isso é verdade, sobretudo, como bens coletivos: paz, liberdade, lei, civilidade, espírito público, a segurança da propriedade e da vida familiar, tudo o que depende da cooperação com os demais, visto não termos meios de obtê-las isoladamente. Em relação a tais coisas, o trabalho de destruição é rápido, fácil e recreativo; o labor da criação é lento, árduo e maçante. Esta é uma razão pela qual os conservadores sofrem desvantagem quando se trata da opinião pública. Sua posição é verdadeira, mas enfadonha; a de seus oponentes é excitante, mas falsa’.
No final do livro, o autor dedica um capítulo – Esferas de valor – para definir as conclusões de suas minuciosas reflexões: ‘cheguei à seguinte conclusão geral: o papel do Estado é, ou deveria ser, menor do que aquele que os socialistas exigem e maior do que os liberais clássicos permitem. O Estado tem uma finalidade, que é proteger a sociedade civil dos inimigos externos e das desordens internas. Não pode ser só o Estado guarda-noturno defendido por Roberto Nozick, porque a sociedade civil depende de vínculos afetivos que devem ser renovados e, nas atuais circunstâncias, esses vínculos não podem ser renovados sem a oferta coletiva de bem-estar social. Por outro lado, o Estado não pode ser o provedor e o regulador universal como defendido pelos igualitaristas, pois o valor e o compromisso emergem de associações autônomas que só brotam se puderem crescer de baixo para cima. Além disso, o Estado só pode redistribuir a riqueza se esta for criada, e a riqueza é criada por aqueles que esperam deter uma parcela dela’.
Em seguida o autor mostra, enfim, os valores que perpassam as sociedades em todos os tempos, como a religião e seus fundamentos teológicos, a família e seus vínculos afetivos, a educação e seus princípios morais e não apenas qualificativos de uma profissão, o trabalho e sua dimensão emocional e gratificante, a política, a arte e as cidades, como manifestações do trabalho coletivo de geração de moradores. Enfim, os valores do conservadorismo como instrumento de preservação de conquistas duramente alcançadas pela cultura dos humanos em milhares e milhares de anos. Isto é conservadorismo, uma predisposição natural ao convívio amigável e à construção de paz social e equilíbrio emocional e espiritual. Tudo, afinal, tão longe e tão distante dos tempos selvagens e radicais que vivemos em quase todo o planeta.

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