Acalanto

Menina, feche os olhos e durma!

Bobagem. Qualquer um sabe que o sono não vem dos olhos.

Tinha de começar por driblar os sentidos. Para que o paladar não se ressentisse por um gole de água; que o olfato não ficasse em alerta com um resquício de gás; que o ouvido não escutasse o zumbido de um mosquito; que ao corpo não faltasse coberta na medida exata (protegendo-o do frio sem lhe  causar o calor) e que cada uma de suas partes encontrasse a posição perfeita de conforto, desligando os movimentos.

Este último era o mais difícil.  Se as pernas se agradavam de um lado, os braços preferiam o outro e às costas era mais indicado um terceiro jeito. As idas e vindas para a esquerda e para a direita inspiravam mais uma proposta genial.

Concentre-se, querida; conte carneirinhos … um carneirinho pulou o muro, dois carneirinhos pularam o muro, três…

Até tentava. Carneirinhos,  cachorrinhos, elefantes. Bichinhos e animais de grande porte desfilavam em uma lista sem fim.

Se não bastava cerrar os olhos para dormir, também não funcionava submeter os bichos a uma missão desnecessária, ferindo seus parcos direitos. Sem contar que, a certa altura, a lógica matemática se atravessava no processo, despertando outras contagens: dos dinheiros que se têm para as contas que se deve; dos propósitos que se faz, mas se esquece de cumprir; das horas que se gasta em busca do sono que não vem. E assim por diante.

Para dormir, aprendeu, precisava mesmo era aquietar a mente e embalar as ideias.

Como se as colocasse em uma rede, empurrando-as em um suave balanço, para um lado e para o outro, de forma rítmica e continuada, até que as cansasse ao ponto de desistirem de se fazer presentes, de abrirem mão de se conectarem umas às outras.

Passou assim a acalantar as ideias como se acalanta uma criança pequena. Aconchegava-as com carinho, aliviava suas preocupações, tranquilizava-as de que o sono seria apenas uma interrupção temporária entre a noite e um novo dia que se sucedia. Que amanhã tudo estaria de volta, do jeito e da forma em que foram deixados. Era assim que elas se entregavam. E era assim que a menina dormia.

COMPARTILHE: