Apenas copia e cola

A pilha de ações judiciais a se fazer acumulava-se na mesa do novo advogado novo. E já fazia algum tempo que estava lá, aguardando por um impulso. Como não se tratava de sua área, mas de outra que colega mais velha tinha-lhe deixando de herança, ali ficou por meses. Até que resolveu dar cabo naquilo.

Ligou para a doutora fulana, que lhe passou algumas diretrizes, e assim foi feito. Mas observou que um dos casos era “igualzinho” outro que ela já tinha interposto ação, então bastaria apenas copiar:

– Apenas copia e cola – disse a colega.

Assim foi feito. Já que era o primeiro caso que lhe vinha à mão e bastava apenas copiar o outro caso, mudou a qualificação inicial do autor e, záz, ingressou com ação na Justiça do Trabalho na vila feliz encravada entre a serra e o mar, de ar abafado e povo trabalhador.

A empresa era bem conhecida na região, hoje quase falida por conta de suposta crise financeira. Aprazada audiência de conciliação para dali a uns meses, o novo advogado novo esqueceu completamente do caso, até que chegou o dia da audiência.

Cliente devidamente cientificado por telefone assim que o despacho foi publicado, novamente foi avisado para estar em local e hora definidas por aquele. Na hora, conversaram um pouco e logo foram chamados ao ato judicial.

Do outro lado sentara-se um dos advogados mais respeitados da cidade, com escritório bonito e vistoso no mesmo prédio do nosso protagonista. Cumprimentaram-se cordialmente como cotidianamente se cumprimentavam no elevador.

Partes apregoadas, a juíza – hoje aposentada mas que também deixou herança em comportamento e competência – questiona o novo advogado novo:

– Doutor, qual a cor de seu cliente?

Nosso protagonista enrubesceu. Não entendendo bem a pergunta e sendo aquela uma das poucas e iniciais audiência que já fizera, deixou estampada em rosto sua dúvida.

– Ele é branco, doutor? – insistiu a juíza, já com tom muito mais áspero que da primeira pergunta.

– Sim, Excelência.

– Então por que o doutor fez um pedido de indenização por racismo, por seu cliente ter sido chamado de coisas referentes aos negros?

Estava clara a mensagem. O antigo caso – da qual a petição inicial foi copiada ipsis literis – possuía um autor negro e que deveria ter sido achincalhado por isso.

– Excelência, posso dar uma olhada nos autos? – indagou nosso protagonista.

Aos autos, percebeu o equívoco que cometeu, ao copiar integralmente a petição inicial e passar por constrangimento tamanho. Folheou a petição inicial, olhou para seu cliente – branco de cor e de medo – e voltou para a peça processual novamente. Não lhe restou outra alternativa:

– Excelência, gostaria de desistir desse pedido.

– Faz bem, doutor, faz bem… a outra parte concorda?

– Não fazemos objeção, Excelência – de pronto rebateu o advogado da empresa.

E assim foi feito. A audiência seguiu seu trâmite – não houve acordo – e realizou-se posteriormente perícia judicial, sobrevindo sentença de parcial procedência, culminando em instâncias recursais e fase executiva tensa com a presença da União Federal questionando valores devidos a si.

O caso se encerrou há quase uma década, mas até hoje o velho advogado velho não copia mais nada. Nem receita de bolo.

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