Arte marcial (Adauto)

ARTE MARCIAL

       Carlos Adauto Vieira = Charles d’Olengér= Mark Twain Francisquense

 

Já foram perseguidos por um japonês, vestido de quimono e calçando aqueles tamanquinhos ou chinelinhos, dentro da mais rigorosa tradição nipônica?

Pois eu o fui em Amsterdã, cidade que, pela fama, tem tudo para oferecer à imaginação, o mistério, o suspense, o drama penal.

Estava no Museu Rijki, o nacional holandês, extraordinário pelas coleções de arte, de armas, de brasões, vestimentas, louças, móveis, desde a mais antiga data de conquista batava, quando notei que um japonês, com cerca de um metro e quarenta me seguia.

Fã de filmes policiais tratei-me de verificar se a minha preocupação tinha procedência.

Ao invés de seguir o caminho natural dos visitantes, voltei a uma sala já vista. Ele atrás. Encontrei em outra sala, buscando escapar-me. Ele atrás. Parei diante de uma enorme tela de Rubens. Ele atrás. De mim, não da tela. Detive-me, longamente, examinando algumas peças, vindas da índia. Ela atrás.

Examinei-o dos pés a cabeça – não havia muito naquele um metro e quarenta da cabeça aos pés, demorando-me com os olhos em seus tamancos engraçadinhos: uma madeira cortada com duas traves, formando uma só peça, presa aos pezinhos por duas tiras de pano, que se afinava entre o dedão e o seu vizinho.

Ele nem me olhou, embora eu sentisse que me observava perfeitamente e detalhadamente.

Com japonês ainda mais daquele tamanhinho, não se deve facilitar. È um ippon, e pronto. Mais fulminante que o do Collor na inflação.

Também pode ser um agente internacional confundindo-me com outro.

E se eu lhe explicasse? Bastaria que ele me dissesse através de mímica que eu não me entendia e eu perderia o meu rico latim.

Jeito? Ir adiante. E ele atrás.

Foi o que fizemos. Continuamos a percorrer as salas. Na atenção dispensada ao nipônico, perdi-me dos meus. Acharia, se não tivesse morrido antes, todo ele à saída, conforme combináramos, porque o museu só tem uma entrada e uma saída.

Questão de ordem, organização, de cultura. Sem o sentir, éramos tingidos de sala em sala, de século em século, até a modernidade.

E se desse um golpe no oriental? Ao menos para experimentar. Talvez, ele nem soubesse caratê. Melhor não arriscar. Fui – fomos – adiante. Agora, o que eu temia era uma sala deserta, vazia, onde não houvesse nem visitantes nem guarda e guias. Um espaço vazio, um vácuo, onde não adiantasse gritar em caso de ataque, se houvesse oportunidade para isto.

Sabe como são os golpes dessas artes marciais, né? Secos. Letais. Bateu, valeu. Não dá para repetir como o antigo e malsinado porta-voz:

– Bateu, levou.

De repente, levantei os olhos e dei com uma placa de acrílico: Rest Roon.

Era a salvação. A porta dela. Aí ele se revelaria, se desmascararia, tivesse alguma má intenção para comigo.

Entrei. Parei diante de um vaso mictório, abri a braguilha e fiz pipi.

Ele parou ao meu lado, olhando-me interrogativamente.

Ri-me feliz e vingado. Queria vê-lo alcançar o vaso, na hipótese de necessidade.

Ele tirou o documento – desproporcional ao seu tamanho – pelo meio dos panos do quimono e se satisfez em um vaso para crianças, que eu nem notara. Sacudiu três vezes, segundo a práxis universal. Escondeu-o em meio aos panos. Juntou as mãos, curvou-se na minha direção e pronunciou, sorrindo, aliviado:

– Arigatô!

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