Braço esticado para enxergar (Cristina)

Braço esticado para enxergar

Maria Cristina Dias

 

Há uns anos, a visão começou a falhar. A leitura ficou cansativa, as letras insistiam em ficar menores e o que antes eu enxergava tão bem começou a ficar meio desfocado. Para ver com clareza era preciso esticar o braço e me distanciar do objeto em questão – e olhe lá, com perdão do trocadilho. O meu oftalmologista resumiu a questão de forma clara e objetiva: Depois dos 40 anos, só não precisa de óculos quem não lê. E a partir daí os óculos passaram a fazer parte do meu rosto.

Em meio a esse pandemônio em que vivemos, com uma crise de saúde pública mundial que está desenhando um revés econômico talvez jamais visto – e um caos político particular aqui no nosso País para tornar a situação, digamos, mais emocionante, lembrei dessa história.

Tem horas em que é preciso afastar o braço para enxergar melhor – e não deve ser por acaso que esta percepção está associada à maturidade. Na vida, esse distanciamento é proporcionado pelo tempo. Sim, o tempo, aquele que é senhor da razão, lembram? Os mais velhos hão de lembrar.

É muito difícil ter a compreensão da história no momento em que ela está ocorrendo. Por mais informações que as pessoas acham que têm, os fatos estão se desenrolando momento a momento, há elementos que não sabemos, há situações imprevistas. Há um passado recente que não está totalmente claro e conhecido, há um presente cheio de nuances, há bastidores – e muito mais interesses de todos lados do que podemos imaginar.

Isso sem falar das paixões e das crenças, filtros legítimos e que devem ser respeitados, mas sempre filtros que nos fazem focar em um aspecto que nos é pessoalmente caro e desconsiderar outros não menos importantes.

Atualmente ainda podemos somar a isso a desinformação desestruturante causada pelo fenômeno das fake news, aquelas “verdades definitivas” que a gente recebe pelas redes sociais, saídas sabe-se lá de onde (nem vou entrar nessa questão, pois não é o foco aqui) com o objetivo de criar realidades, de manipular mesmo. Muitas vezes verossímeis aos olhares apaixonados, elas dizem o que as pessoas desejam ouvir e por isso são tão disseminadas. Não resistem, porém, a uma investigação rasa.

O tempo – e só ele – nos permite observar o tabuleiro do alto, ver as peças em seu momento inicial e observar por onde elas se moveram, perceber os personagens e a complexidade da trama. Permite um certo distanciamento que é tão necessário para a compreensão. Embora não elimine as paixões, ele muitas vezes as atenuam e nos permite fazer uma análise com mais clareza.

Então, nesse momento de muitas certezas e convicções, fica a sugestão. Observar sempre, se informar sempre, duvidar sempre – mas ter bem claro que é o tempo que vai nos possibilitar ter essa clareza que tanto ansiamos. É hora de respirar e esticar o braço.

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