Como e por que me tornei escritor

Como? Muito fácil responder. Tornei-me escritor no exato dia em que me tornei leitor. Eu tinha 4 anos e meio.

 

Minha santa Tia SANTA chegou logo depois do almoço com um presente para mim. Colocou-me no colo e abriu-o. Era uma caixa, no interior da qual havia um monte de pecinhas de madeira, com símbolos coloridos impressos. Eram LETRAS. O presente era um abecedário!

 

As 3 horas seguintes ela passou-as me ensinando a ler e formar palavras. Quando ela foi embora, eu não conseguia mais parar de formar palavras. Porque eu precisava de novas palavras para poder ler! Então foi assim: como não havia mais ninguém disposto a me dar palavras feitas para eu ler, eu mesmo tive que ir formando palavras na base da tentativa e erro.

 

Isso quer dizer que, ao encostar um quadradinho no outro e no outro e no outro, tentando formar palavras para ler, eu estava começando a ESCREVER! Foi tudo no mesmo dia.

 

O escritor estava nascendo ali, pois a alfabetização precoce que minha tia me proporcionou fez de mim um LEITOR ávido. O resto do tempo eu passava atrás de coisas para poder ler. E infernizando os adultos para me ajudarem na busca. Funcionou. Mais: definiu a minha vida!

 

Quando entrei na escola, aos 6 anos, eu já sabia ler há muito tempo. Enquanto a professora ensinava aquele enfadonho bê-á-bá à classe, eu lia e decorava páginas inteiras das cartilhas, por causa da repetição. Meus colegas liam aos tropeços, eu lia velozmente, “de carreirinha” como eles diziam.

 

Então veio minha segunda benfeitora: ELVIRA, nossa professora no 3º ano fundamental. 80 anos, cabelo branquinho em coque, alta, sorridente; aposentada e firme ali no posto. Tomou-se de amores por nossa turma. Nós não passamos para o 4º ano e para outra professora. ELA passou para o 4º ano conosco!

 

E Elvira fez comigo uma coisa maravilhosa: ele me deixava cabular as suas aulas! Isso mesmo. Nosso acordo tácito funcionava assim: eu começava a assistir a aula, pedia para ir “lá fora” e ficava mais de uma hora sem voltar. Malandreando?

 

Não, ela me dava a chave da pequena BIBLIOTECA da escola e eu tinha aquela sala mágica toda só para mim! Começava sempre com uma revista em quadrinhos, depois pulava para os livros: Francisco Marins, Monteiro Lobato… e aí me aventurava num livro difícil. Robinson Crusoé foi o primeiro, lembro bem.

 

Depois eu voltava para a classe e acompanhava o resto da aula. Um colega me dava o caderno dele para copiar o que eu havia perdido.  E eu deixava que ele colasse de mim nas provas. Elvira sabia disso e consentia. Aos 80 anos, estava um século à frente do seu tempo, seria pedagogicamente moderna ainda hoje.

 

Graças a Elvira, durante 2 anos eu tive acesso a centenas de livros e revistas que certamente minha família não iria comprar para mim. Não poderia! E, como eu tinha pouco mais que uma horinha escassa para ler ali, aprendi a ler rápido. A dor ensina a gemer.

 

O germe do escritor estava inoculado, porque você não pode ser um escritor se não for, antes, um bom leitor. Um grande leitor! Minhas redações tinham sempre nota máxima, é óbvio; e eu me dei bem demais com a gramática a partir disso. A coisa toda foi tão bem que Elvira e a diretora da escola deram um jeito de me fazer PULAR a 5ª série e entrar direto na 6ª, que na época dizia-se primeiro ano do ginásio. Eu não tinha a idade mínima necessária, mas o diretor do ginásio tinha sido um namoradinho da minha mãe quando eles tinham 11 anos, então…

 

Nesse momento entra mais um benfeitor em minha vida; Seu MADUREIRA. Um português sessentão, dono da única banca de revistas da cidade. Eu estava com 10 anos e meu irmão com 12. Vivíamos lendo as revistas que ficavam expostas na vertical, na parede externa da banca. Dinheiro para comprar… nem pensar. Pois esse homem notável foi sensível à nossa condição. Não só nos dava algumas revistas, como fez uma coisa notável, que mudou nossa vida para sempre.

 

Ele arrancava as capas das revistas americanas Time e Life, que nos dava para ler. Em inglês! Devolvia as capas rasgadas para a distribuidora, provas de que as revistas chegaram danificadas pelo transporte, e recebia revistas novas. Mas havia uma condição para recebermos nossas revistas em inglês todas as semanas: nós tínhamos que ser capazes de traduzir as legendas das fotografias que ele escolhia.

 

Então conseguimos que em casa nos comprassem um dicionário e pronto! Meu irmão e eu nos tornamos bambas em inglês na marra. Minha mãe MARIA percebeu isso e com muita sensibilidade nos ofereceu uma professora particular de inglês. Não tivemos interesse. Mas ela me levou assim mesmo, só para que eu conhecesse a professora. Pra que!

 

MARIA HELENA, era o nome dela. Novinha, recém-casada, uruguaia e… com umas PERNAS que Deus do Céu!

 

Usava saias curtas para a época, sabia muito bem onde estava o seu forte. E eu, que não estava a fim de aula particular de inglês, me apaixonei à primeira vista pela professora… Não, de jeito nenhum, pelas PERNAS da professora! E para ter o privilégio de olhar aquelas perfeições duas vezes por semana, me atirei feito um louco em cima de livros de inglês. Pouco depois, meus colegas no ginásio me colocaram um apelido: o americano.

 

A paixonite durou pouco, menos de 6 meses. Mas me deu a base que me faltava em meu inglês autodidata. Então deixei as aulas da professorinha, mas já levava pronta a tal base, que haveria de me valer tanto no futuro, nos estudos de engenharia química e, depois, na vida profissional nos Estados Unidos. Fui publicado inúmeras vezes em inglês, durante anos. Até no New York Times e no Asian Times, de Hong Kong.

 

Graças à cabeça calva de um português e às pernas roliças de uma uruguaia. Que teria sido de minha vida profissional, tanto na área tecnológica, como na de literatura, sem o inglês?

 

E foi esse o meu começo.

 

Devo aduzir que nasci num lugar privilegiado, uma cida-

de única que pertence a dois países: Rivera, o lado uruguaio, Santana do Livramento o lado brasileiro. Não existe fronteira. Um traçado irregular de ruas não nos separa, nos une. Ali todos falam português e todos falam espanhol, sem sotaque.

 

Tive ainda mais sorte: Meu pai brasileiro, minha mãe uruguaia, minha avó neta de franceses. Aprendi os três idiomas em casa, na infância, sem gastar um tostão. Um dia eu iria morar num lugar onde todos os meus idiomas são falados diariamente e nesta ordem: primeiro espanhol, depois inglês, português e francês. Miami, a maravilhosa capital dos Estados Unidos da América Latina (USLA, -iu-éss-él-ei, como apelidei esse ‘país’).

 

Aprendi bem a minha lição. Anos depois, quando fui pai, ensinei meus filhos a ler com 3, 4 e 4,5 anos. Eles foram sempre primeiros lugares na escola, como tinha acontecido comigo.

 

Inteligência? Genética? De jeito nenhum! Apenas nós todos aprendemos a ler antes dos outros, aprendemos a ler quando qualquer criança pode aprender a ler. Isto é, na hora certa e não TARDE DEMAIS, como impõe o nosso sistema há séculos. E saltamos à frente no tempo (Veja, nesse mesmo sentido, neste Suplemento, os testemunhos de Hilton e de Else).

 

Aos 17 anos tive minhas primeiras poesias publicadas em revistas e jornais de Porto Alegre. E, entusiasmado com o piano, decidi seguir carreira de pianista clássico. Mas passei no vestibular de engenharia química logo depois e não tive coragem de dar esse desgosto – ser músico! – à minha mãe recém-viúva.

 

Aos 19 e meio casei. Aos 21 fui pai pela primeira vez. Adeus ao piano! Daí em diante, só escrevi e publiquei coisas técnicas, da área de instrumentação científica para análise química. E mudei para São Paulo aos 28 anos. Nada de carreira literária! Mas em compensação, graças a Deus, formei um filho músico!

 

A guinada seguinte veio muitos anos depois, quando passei quatro anos no Nordeste, já totalmente envolvido com a Agricultura Orgânica e vindo a ser Secretário de Agricultura. Ali desenvolvi a base dos 14 livros e manuais técnicos de Agricultura que escrevi e publiquei, tanto em Maceió, quanto no Sul, quando da minha volta. Mas o que eu não sabia naquele momento é que eu voltava grávido de Nordeste, de um povo que aprendi a amar e respeitar profundamente. Era o ano de 1999.

 

Eu ainda não sabia, mas ali tinham nascido os meus dois primeiros romances, que só cheguei a escrever em 2008, já em Joinville e em Miami. Eram romances sobre prostituição infantil e pistoleiros de aluguel. Escrevi os dois em 90 dias. Era minha estreia na ficção. Foi uma explosão.

 

E então a grande revolução chegou: em 2006, via Universidade de Boston, começou meu tempo de escritor e conferencista internacional na área de biocombustíveis. Foi quando, a partir de 2007, fixei-me em Miami Dade (Aventura) e passei 7 anos vivendo lá e sacolejando na ponte aérea para São Paulo e Joinville algumas vezes por ano.

 

Posso dizer que foi ali que surgiu a fase final e mais importante da formação do escritor. Eu tinha, de repente, muito tempo disponível entre uma conferência e outra, entre uma viagem e outra a New York e a Los Angeles. Então comecei a fazer curso após curso para escritores, para editores, screen writers, travel writers e de marketing direto de livros. Foram 49 cursos, seminários e retiros em 7 anos. Continuo fazendo-os sem parar até hoje, agora online (agora mesmo, feriado de 2/11/17, acabo de acompanhar, durante duas horas e meia, pelo quarto dia consecutivo, o CONALER, um congresso de escrita e leitura online, com 5 dias de duração. Termina amanhã).

 

Em Miami, morando só num enorme apartamento à beira do Lago Maule, sem nada para me distrair, eu estudava e escrevia como um possesso!

 

Em 2014 voltei para o Brasil em definitivo. No meu computador eu trazia 12 livros que escrevi em Miami e publiquei no Brasil imediatamente. Já como meu próprio editor e como meu próprio livreiro. E trazia o curso para escritores que formatei lá, o “The Publishable Writer”, resultado de todo o meu aprendizado nessa área. Hoje o curso existe em São Paulo, com o nome “O Escritor Publicável”, dentro da novíssima Escola Brasileira do Escritor, no Ipiranga.

 

Agora estou no 36º livro publicado: meu 10º romance, “A Guerra de Jacques” que comecei a escrever como ghost writer, até meus clientes me pedirem para aparecer como coautor, acaba de ser lançado. Afora esses 36, tenho mais 9 livros na maravilhosa carreira de escritor fantasma – o ghost writer – onde meu nome não aparece na capa. 6 romances no Brasil, 3 livros técnicos nos EUA.

 

  1. 2017. Doravante tomei como missão, para todos os anos que me restarem de vida, o trabalho de formar escritores e facilitar a vida deles. Quer com a Escola Brasileira do Escritor, quer como dirigente de agremiação de escritores, quer como autor, quer como descobridor e orientador de escritores no nascedouro: meninos e meninas do ensino fundamental, médio e universitário.

 

Por um tempo estou deixando de escrever ficção minha e me dedicando somente ao grande projeto de produzir a série ‘Como Escrever Ficção”, em 9 volumes. Os dois primeiros já estão prontos, os outros 7 em diferentes estados de gestação, porque eles são, estranhamente para muita gente, criados todos mais ou menos juntos. Observando o nome dos títulos (volumes com 200 a 280 páginas cada), é possível entender por que razão, ao escrever um deles, os outros afloram simultaneamente: “A Arte e a técnica do romance”, A Arte e a técnica do enredo”, “A Arte e a técnica do personagem, “A Arte e a técnica do diálogo”, “A Arte e a técnica de narração e descrição”, “A Arte e a técnica do conto”. “A Arte e a técnica do cenário” E mais: “Produção e comercialização do livro físico e do e-book “. O último é a joia da coroa: “Mercado internacional para o escritor lusófono”.

 

Em 2015, ingressei como acadêmico titular na Academia Joinvilense de Letras. Um ano depois, em 2016, elegeram-me presidente da academia para o triênio 2016-2019. Portanto, mais do que nunca, estou comprometido até à raiz dos cabelos com a causa e a formação dos escritores; e com a prestação de serviços culturais à comunidade e ao país.

 

Então… como e por que me tornei escritor? Ora, por TUDO isso que acabo de relatar. Até hoje. Ou seja, ainda estou me tornando. É uma história sem fim!

 

Pois, afinal, não é somente uma questão do como e por que, mas também uma questão de sobre o que você escreve

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