Crianças e religião

As crianças são os melhores teólogos. Têm a capacidade de fazer perguntas e dizer coisas sobre religião que os adultos jamais ousariam. O poeta Rubem Alves, em diversos de seus escritos, relatou momentos de sabedoria dos pequenos.

Uma tirada retratada pelo autor foi a da menina que chegou à conclusão de que Deus está muito errado. Coloca no mundo um monte de pessoas de quem nós gostamos. Depois, mata todas e faz pessoas novas. Por que ele gasta tempo fazendo isso em vez de deixar sempre todos por aqui?

Em outra crônica, conta que um menino, ao tomar sopa, indaga ao pai se Deus está em todo lugar. O pai responde que sim. Surge, então, a pergunta: então ele está dentro da colher de sopa que eu estou tomando?

Há, ainda, o texto no qual relata que, certa vez, ficou compadecido com uma menininha. Ela chorava querendo tomar sorvete e a mãe recusava. Ao ver, pela vestimenta, que eram pessoas humildes, ofereceu-se para comprar o sorvete. A menininha rapidamente respondeu: Não adianta, porque “a gente”, além de ser pobre, é crente.

Há também uma história do meu filho Pedro, de quatro anos. A avó tentava ensinar-lhe religião por intermédio de um livrinho, e mostrou a ele uma foto de Jesus crucificado. A primeira observação foi: mas ele está pelado. Ao recuperar-se do primeiro comentário, a avó passou à página seguinte, que mostrava Jesus subindo aos céus. O menino foi mais uma vez certeiro: “é vovó, ele subiu aos céus e agora fica lá de cima só mandando na gente”.

A última história é uma situação que presenciei. Brincavam juntos uma menina católica e um menino judeu. A pequena sugeriu que o amigo deveria rezar pedindo proteção para Jesus. O pequeno respondeu que não podia porque a mãe não deixava. A menina nem mesmo titubeou e disse: então é problema teu. Continuaram a brincar normalmente.

Essa pureza existe em todas as crianças e independe de quaisquer fatores. Conto essas anedotas com o objetivo de fazer os leitores refletirem acerca das questões religiosas que subjazem ao atentado terrorista de Paris. Os adultos precisavam elevar-se para alcançar o nível de compreensão teológica das crianças. É preciso perguntar, duvidar e questionar a religião, e, quando não concordarmos com as respostas, dizer apenas: é problema teu.

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