Crônica de uma morte anunciada (Simone)

Desde que as notícias começaram a ganhar espaço, velocidade e projeção na internet, conquistando a adesão de uma fatia cada vez maior de leitores, a permanência dos jornais impressos tornou-se uma espécie de crônica de uma morte anunciada (com a devida licença poética de Gabriel Garcia Marquez). Já não se discutia se isso de fato iria acontecer, mas como e quando.

Quando foi divulgada, na semana passada, a informação de que o jornal A Notícia deixaria de circular de segunda a quinta causou reações diversas. Entre os jornalistas e profissionais de comunicação pairou um sentimento de luto, semelhante ao da perda de um ente querido. Um colega, com bom humor, questionou o impacto no mercado de peixes. Minha ajudante do lar ficou indignada: como arcaria com os custos gerados pela interrupção abrupta no fornecimento semanal do receptáculo higiênico para sua meia dúzia de pets? Ouvi dizer, também, que houve certo desconforto entre os leitores que dependiam do jornal impresso para estimular sua reflexão íntima na privada.

O fim do jornal impresso é uma daquelas questões nas quais a razão e a emoção insistem em discordar. Enquanto a primeira admite que já não faz sentido montar uma operação logística arrojada para fazer chegar todo dia uma nova edição nos lares catarinenses nas primeiras horas da manhã, a segunda se apega a hábitos que se incorporaram à rotina e não gostaria de transformar em lembranças. Como o barulho do motoqueiro chegando de madrugada para fazer a entrega; a satisfação de abrir a porta de casa para apanhar seu exemplar; o prazer de descobrir  as notícias, uma a uma, entre um gole de café e um pedaço de pão.

Aos saudosistas, como eu, que ainda faziam questão de sujar os dedos de tinta, sentir a gramatura do papel e folhear as páginas do  jornal impresso para dar uma olhada geral nas chamadas antes de decidir por onde começar a leitura, resta lembrar do que já dizia Lavoisier em 1777: na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma (inclusive nós). Melancólicos, avante!

Simone Gehrke

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