De que vale?

Chega à mesa da professora o convite para um concurso literário. Mais um. A vontade imediata da moça é de fazer uma bolinha de papel e arremessar no ar. A mesma vontade de jogar a profissão e o marido, a segunda-feira e o plano de aula. Ela se contém, é responsável e equilibrada o suficiente para não enlouquecer por pouco. Enfia-o entre as páginas do diário de classe. Chove, os alunos parecem enlouquecer quando chove. O diretor aproxima-se e comenta sobre o concurso literário anual – este ano temos que ir para a final – a docente retira o papel e cola-o ao peito do homem – Não vamos participar. Já é o terceiro ano e nunca ganhamos. De que vale?

A cena é fictícia, baseada em conversa com um amigo da área de Educação. Saio do encontro e vou tomar um café para esquecer afazeres e deixar o pensamento fluir um pouco solto, com o vento. Encontro-me com minhas utopias, todas elas muito enfraquecidas, feitas panos rotos oscilando num varal disposto à queda. Rememoro o diálogo de pouco antes, o café ajuda, penso melhor. É passível a um professor (educador, como queira) desistir dessa forma? Que geração mimada é essa que não aceita derrotas e põe a culpa no juiz? Talvez a professora do caso acima não goste tanto do que faz. Ou cansou demais. Antes que você pense que vou cair na vala comum do magistério-é-uma-eterna-doação-de-amor, digo que não, que é profissão tal qual outra, que sói dedicar-se e merece remuneração digna, no entanto, independente do quanto se sente mal remunerado, cansado ou triste, é dever do professor identificar talentos potenciais de seus alunos, direcioná-los, mostrar o caminho, tanto quanto buscar para si próprio o aperfeiçoamento. Não deu dessa vez, vamos de novo. O que faltou? O que pode ser melhorado? Refazer, fazer diferente, tentar outra vez, investir.

Talvez os talentos sejam outros nessa turma, talvez a turma desse ano apresente dificuldade maior, mas pode acontecer de ser diferente. Em qualquer um dos casos, não se pode deixar de fazer, ainda que custe tempo a mais de trabalho, ainda que custe nova derrota. A maioria das conquistas na área de Educação são imperceptíveis a curto prazo, mas lá na frente, lá na frente, um pequeno gesto de um professor poderá ter ajudado a mudar o mundo, ou a parte dele em que você está inserido. Boas férias!

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