Do alto (Andreia)

Do alto

          Andreia Evaristo

 

Do alto, a felicidade me cumprimenta todas as manhãs. Pela janela, os raios de sol emergem do horizonte, tingindo de laranjada luz as nuvens, de baixo para cima. Não todos os dias, claro. Há dias em que as nuvens insistem em esconder a felicidade, há dias em que a luz é aprisionada pelos novelos de algodão cor de chumbo.

Do alto, o apito do trem me brinda a cada tantas e tantas horas, e eu sorrio como uma criança a descobrir a magia do mundo. Há magia na tecnologia que move as máquinas, como há magia no milagre que amanhece todas as manhãs diante dos meus olhos. Sou uma tola, sorrindo à toa, me encantando com milagres inventados apenas para fortalecer minha própria fé. Recuso-me a me unir ao coro dos descrentes que, ingênuos, repetem que milagres não existem, porque eles são reais e posso vê-los, tocá-los, senti-los aonde quer que eu vá.

Do alto, brindam minha existência as translúcidas gotas de esperança que caem do céu. Às vezes, junto a elas, o vento canta em minha janela, em serenata de amor. Debruço-me ao parapeito como Julieta cortejada por Romeu, mesmo que o impulso seja de dobrar meus joelhos e, prostrada, reverenciar a singeleza do espetáculo que se forma diante de meus sentidos. Não posso negar que a chuva me encanta, mesmo que o nascer do sol seja um milagre.

Do alto, ergo o queixo e fecho os olhos para inspirar os perfumes que adentram pelo quadriculado da janela, da varanda. O aroma de pão assando no fim de tarde é o que me faz salivar, imaginando as mãos de vó amassando trigo com água e fazendo a alquimia acontecer diante dos olhos atentos dos netos. Vez ou outra, minha imaginação é aguçada pelos aromas das famílias reunidas ao redor da churrasqueira, dos amigos dividindo pizzas e risadas, das crianças comendo pipoca e assistindo aos filmes no sofá, embaixo das cobertas…

Do alto, guardo o mundo em meus olhos. Do alto, sinto-me grande diante dos obstáculos, forte para encará-los como se estivesse de pé nos ombros de um gigante. Do alto, sou pequena diante da grandeza do mundo que se abre a meus pés.

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