E por falar em trem (Else)

E por falar em trem…

Else Sant’ Anna Brum

Ao ler o texto da colega Andréia Evaristo sobre trens no site da Academia Joinvilense de Letras, percebi que tenho muito a falar sobre eles.

Nasci em 1936, na zona sul de Joinville, bairro Bupeva hoje Jarivatuba, numa casa que ficava a 600 metros dos trilhos onde passavam vários trens: de passageiros, misto (carga e passageiros) e de carga apenas. O apito de cada trem era longo, avisando que ia cruzar a rua. Dizíamos que o tchec… tchec… tchec… tchec… do trem de carga que passava mais devagar dizia: – “Seu Sant’Anna, Seu Manteiga, Sinha Chica, Seu Mandu!” Seu Sant’Anna era o meu pai e os outros eram vizinhos.

Andei muito de trem. Ia para São Francisco do Sul, onde morava meu irmão Abdon; para Guaramirim onde moravam minhas irmãs Maria e Joana; e para Mafra, onde  morava minha irmã Elza. Que alegria ouvir os apitos do trem quando chegava numa estação e quando partia! Eram apitos diferentes, um comprido e outro curto.

Certa vez quando eu já era mocinha, fui com papai para Mafra e na volta, o trem que era misto, trazia num dos vagões uma carga de pintinhos. Não sei como fugiram e alguns apareceram no nosso vagão. Peguei um e o chefe do trem o deu de presente para mim.

Chegamos na estação. Era noite. Fomos a pé para casa. Papai dizia: – “Larga esse bichinho num quintal desses, menina!” E eu: – “Ganhei de presente, não vou deixar.”

Em casa, agasalhei o pintinho num balaínho no engenho. Piava bastante mas depois parou. Fiquei contente mas em seguida fiquei muito triste quando vi meu cachorro Jack chegar na cozinha se lambendo. Tinha comido o pintinho!

Bem, muitos anos mais tarde, quando eu era diretora da Escola João Costa que fica no bairro Jarivatuba, ao lado dos trilhos do trem, ouvia muitos e muitos apitos do único trem de carga que então passava cruzando a rua Monsenhor Gercino.

Certo dia, quando estava trabalhando no meu gabinete e os alunos estavam na hora do recreio, ouvi como que uma chuva de pedras quando o trem vinha apitando. O trem parou e logo vi entrar um senhor muito alterado que me disse: – “Seus alunos apedrejaram o trem!” Imaginem como me senti. Pedi-lhe muitas desculpas e prometi que nunca mais aconteceria.

O fato é que a cerca de tela que separava a escola dos trilhos estava com buracos por onde alguns alunos passaram. Nem procurei saber onde arranjaram as pedras, mas no mesmo dia solicitei providências ao órgão da Prefeitura responsável pelo patrimônio e um muro foi construído, inclusive com a ajuda dos pais.             Os apedrejadores? Escutaram o maior sermão da vida! Devem lembrar até hoje!

Todas essas lembranças me chegam quando ouço quase todos os dias o apito do trem de carga enorme que passa perto da casa onde moro aqui no bairro Anita Garibaldi.

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