Hoje não tem crônica (Joel)

Caro leitor,

Escrevo para dar uma grave notícia: hoje não tem crônica. “A Notícia” morreu. O jornal faria 100 anos daqui a três fevereiros, mas desde o último domingo, deixou de existir. A Notícia sempre morre nas mãos dos domingos. Não foi morte natural, mas obra de domingos. Assassinada por inanição. No roteiro macabro, primeiro mata-se o jornalismo; depois, os jornalistas; e, por fim, o jornal, que já era um morto insepulto. Triste ironia: não dispor da seção dos mortos para registrar os encômios obituários que lhe são devidos. Resta esse retumbante silêncio.

As crônicas de quinta tinham uma única razão de ser: contar, humildemente, com a sua leitura. Mas era o jornal que arrastava os dedos para a escrita, como se tange muares com lombos fatigados por tanta coisa que levam. A sua vista d’olhos – caro leitor – é a moeda no pires do cronista, como bem ensinava o mestre José Silveira. Mas era o jornal, a palavra impressa, a instar pelo látego do tempo a feitura do texto. Uma crônica é um encontro marcado. Por acepção, está ancorada no tempo, muito mais que no tema. É irresistível recorrer àquela memorável passagem de Exupéry. Se o encontro for marcado “ás quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz”. E o autor sentencia: “se tu vens a qualquer momento, nunca saberei a hora de preparar o coração…” Uma crônica sem dia e jornal é apenas um amontoado de palavras sem coração.

Desde 1995, – há um quarto de século! –, com algum interregno, escrevi minha crônica semanal para jornais, “Notícias do Dia”, “Diário Catarinense” e, principalmente, “A Notícia”. Todos agora estão mortos, e não há sequer uma lápide onde depositar-lhes as flores tristes dessa despedida. A crônica tem um pulão na literatura e o outro no jornalismo, apodrece em 24 horas se não for publicada. Não dá para escrever e engavetar, como se faz com poemas, contos e romances. É preciso haver certa simultaneidade entre escrita e leitura. Sem a sua cumplicidade – dileto leitor – não há crônica, apenas palavras murchas com flores que entardecem sem ter pra quem se dar. Hoje não tem crônica, só essa despedida, esse pacto rompido, esse silêncio tolerado. Hoje é de Todos os Santos, véspera da véspera do dia dos mortos. Mas lá fora ainda é primavera e o poeta Carlos faz anos.

Joel Gehlen

 

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