Lusos em Joinville

Muito antes da Colônia Dona Francisca, famílias de origem lusa já estavam estabelecidas nas cercanias de São Francisco do Sul desde o século 17

 

Na segunda metade do século 19, quando começou o empreendimento da Sociedade Colonizadora de Hamburgo, a região da Colônia Dona Francisca nada tinha de desabitada. Pelo contrário. Além das populações indígenas naturais da localidade, como os guaranis ou xoclengues que transitavam entre o litoral e as escarpas da serra do mar, famílias de origem lusa – boa parte já brasileiras – estavam estabelecidas em sesmarias e fazendas por toda a região. E não eram uma ou duas. Eram inúmeras, reunidas em vários núcleos compostos por parentes, agregados e escravos, que plantavam mandioca para a produção de farinha, mantinham suas roças, pescavam e caçavam. Embora hoje pouco se fale do seu papel no início do povoamento desta área, estas famílias viviam nas cercanias da Vila de São Francisco do Sul, muitas nos locais onde hoje está situada Joinville. Elas deram apoio fundamental no início do processo colonial e atuaram de forma determinante na vida política e administrativa da cidade no século 19 e ao longo do século 20.

A presença de lusos e brasileiros por aqui é bem antiga e para falar dela temos que antes lembrar que a área que tempos depois seria parte do dote da princesa Dona Francisca fazia parte de São Francisco do Sul. O sociólogo Ricardo Costa de Oliveira, pesquisador sobre o tema e descendente de uma destas famílias, os Gomes de Oliveira, explica que a colonização da região começou com o governo português e a população estabelecida na Capitania de São Vicente, em São Paulo. “São estas famílias basicamente que começaram as incursões para o Sul do Brasil, no século 17. São os primeiros povoadores”, afirma, lembrando que antes havia a população de ameríndios no litoral Sul, ou seja, os índios carijós, guaranis e de outras tribos.

Essas famílias que desceram para o Sul compunham uma população brasileira, formada por portugueses e pessoas já nascidas aqui, muitas frutos da miscigenação com índios e negros.

São elas que formam as primeiras vilas do litoral. Assim, Paranaguá, por exemplo, se tornou vila em 1648. Já São Francisco do Sul começou a ser povoada pouco antes disso e na década de 1660 também já era vila. O mesmo ocorreu com Laguna em 1670. Ricardo observa que estas pessoas iam se organizando, erguendo suas casas e trazendo suas instituições, como igrejas e câmaras, que culminariam na formação das vilas, que eram a unidade administrativa local. No artigo “Homens Bons da Vila de Nossa Senhora da Graça do Rio de São Francisco do Sul – uma elite senhorial do Brasil Meridional nos séculos 18 e 19”, publicado na revista do Arquivo Histórico de Joinville, ele situa esse movimento como parte da estratégia de ocupação do litoral Sul. “Fazia parte da conquista e colonização do Brasil Meridional”.

Esta colonização tinha como base a distribuição de terras por meio de sesmarias, grandes áreas de terras concedidas pelas autoridades portuguesas em São Paulo, Rio de Janeiro e Santa Catarina. Em São Francisco do Sul, as primeiras sesmarias foram entregues a Antonio Fernandes, Manoel Lourenço de Andrade, a seu genro Luís Rodrigues Cavalinho, ao capitão Antonio Francisco Francisques e a vários outros, segundo o mesmo artigo. A historiadora Sandra Guedes explica que até 1850, quando foi estabelecida a Lei de Terras, as terras eram uma concessão do rei e as pessoas justificavam que tinham como mantê-las. “Elas eram agraciadas com as terras”, afirma. As áreas mais cobiçadas eram as cultiváveis e que estivessem próximas às vias usadas para o transporte, como o mar e os rios. “O litoral era fundamental, pois as mercadorias vinham pelo mar. São Francisco do Sul, próximo de São Vicente, tinha trânsito de pessoas pelo mar, de canoa, para o comércio e para as festas religiosas”, conta.

Mas quem eram essas famílias? “São as mesmas famílias do chamado bandeirantismo meridional”, informa o sociólogo Ricardo Costa de Oliveira. Elas tinham estrutura bem definida, militarizada, patriarcal. Além do proprietário, que geralmente tinha um título militar como alferes, capitão ou capitão-mor (o mais importante nesta hierarquia), estavam a mulher e os filhos, os escravos e os agregados, que podiam ser parentes, filhos fora do casamento ou índios “administrados”, que, embora legalmente livres, trabalhavam em regime muitas vezes similar ao da escravidão. Eles produziam principalmente a mandioca, usada para fazer farinha, mas também cana-de-açúcar e outros alimentos, além de pescar e caçar na região.

A justiça, em primeira instância, era realizada pela Câmara local, composta pelos chamados “homens bons”, pessoas com forte influência social e política na região e que poderiam exercer a gestão local. Eles eram poucos e selecionados – geralmente proprietários de grandes fazendas em torno da Baía da Babitonga e de São Francisco do Sul. No final do século 18, já figuravam na relação de “homens bons” nomes como o de Manoel de Oliveira Cercal, da família Oliveira Cercal, que tinha extensas áreas na região do rio Cubatão, que na época pertencia a São Francisco do Sul e hoje integra o município de Joinville. Outro nome que estava na relação pesquisada por Ricardo Costa de Oliveira era o de um antepassado seu: Manoel Gomes Galhardo, patriarca da família Gomes de Oliveira, que já no século 18 possuía sesmarias na região. Manoel teve ampla atuação na vida pública como juiz e procurador de impostos e foi o responsável pela construção da câmara-conselho-cadeia da vila de São Francisco do Sul.

Sandra Guedes lembra que os sítios ou fazendas estavam espalhados pela região, mas era comum que seus proprietários mantivessem casas na Vila de São Francisco, na sede, onde moravam durante períodos e podiam exercer as atividades públicas.

 

Fazendas já estavam consolidadas na época da demarcação das terras dotais

 

O que esse povoamento no Sul tem a ver com a presença lusa nos arredores das terras da Colônia Dona Francisca é simples. “A última grande ‘sesmaria’ de São Francisco do Sul foi a dotação imperial concedida à princesa Dona Francisca, futura sede da cidade de Joinville, iniciada em 1850”, escreveu Ricardo Costa de Oliveira no artigo publicado pelo Arquivo Histórico de Joinville. Na hora de demarcar a área da princesa, em 1846, as fazendas existentes já serviram como referência e foram citadas nos autos de medição. Em alguns casos, como o do coronel Francisco de Oliveira Camacho, houve sobreposição de terras – em outros, ocorreu o desvio para evitar a propriedade dos moradores. “O traçado desvia de propriedades. Algumas foram cortadas ao meio, mas elas foram indenizadas”, informa a historiadora Sandra Guedes.

Ao tratar da demarcação das terras dotais, o livro “História de Joinville – Crônicas da Colônia Dona Francisca”, de Carlos Ficker, indica as sesmarias já existentes na área onde tempos depois se formaria Joinville. Ele cita o coronel Antonio João de Vieira como proprietário de lavoura entre o rio Bucarein e o atual rio Itaum. Ao Norte, ficavam as terras de João Cercal, Luiz Dias do Rosário, Vicente Dias do Rosário e seu irmão Francisco, Ana Afonso Moreira e José Cordeiro, e de Januário de Oliveira Cercal, com uma grande área entre os rios Cubatão e São Francisco. No Boa Vista, estava radicado Agostinho Budal. E no Bucarein e Itaum residia a família do coronel Antonio Vieira, e depois as de Salvador Gomes e Afonso Miranda. Ao Sul, ainda havia terras de Antonio da Veiga e João da Veiga, e também de Manoel Gomes e Francisco da Maia. Estes são alguns nomes citados por Ficker e cujos descendentes ainda hoje estão radicados na cidade.

 

Um forte apoio aos imigrantes recém-chegados

 

Quando, em 1846, foi demarcado o dote da princesa Dona Francisca, esta população já estava radicada no litoral e pelo interior de São Francisco do Sul há cerca de 200 anos. E seus conhecimentos e apoio foram importantes para a instalação dos primeiros imigrantes trazidos pela Sociedade Colonizadora de Hamburgo. “As pessoas já estavam aqui e foram as primeiras a ajudar os imigrantes. Havia a dificuldade da língua, a comunicação era um problema sério, mas os imigrantes precisavam da ajuda dos brasileiros que estavam aqui e que conheciam os caminhos”, afirma Sandra Guedes, destacando que eles também seriam importantes para a produção de alimentos nessa fase inicial. Na época, as únicas opções de fornecimento estavam em São Francisco do Sul ou através de tropeiros que já percorriam locais afastados dos centros urbanos.

Esta ajuda também é ressaltada por Ficker, em seu livro. Ele narra que as expedições ao local da futura Colônia Dona Francisca eram realizadas em canoas, sob a responsabilidade do tenente coronel Francisco de Oliveira Camacho, comandante dos Milicianos e proprietário de terras na região. Revela também que o porto do Bucarein, na junção dos rios Bucarein e Cachoeira, já era usado pelo coronel Antonio João Vieira, que tinha escravos e plantações onde hoje é o Itaum. E o apoio do coronel Vieira foi fundamental no início dos preparativos para a chegada dos primeiros imigrantes, ainda em 1850. “Como conhecedor da região, o coronel Vieira ofereceu os seus serviços e escravos quando, em 22 de maio de 1850, chegaram Leónce Aubé, engenheiro Guenther e demais membros da expedição pioneira”, informou.

 

Quem eram e onde estavam os luso-brasileiros

 

Proprietários, área e data da legitimação de posses, sesmarias e terras devolutas do município de São Francisco do Sul e Paraty, contidas na Relação das Concessões efetuadas pelo Estado de Santa Catarina, da Coordenação de Legitimação e Cadastramento de Terras Devolutas.

 

Fonte: “Os Brasileiros das “Cercanias” da Colônia Dona Francisca no século 19, Populações,   território e  representações”, de Brigitte Brandenburg – artigo inédito

 

Palmital e Saí:

Ao longo do Canal do Palmital (conhecido também como Canal das Três Barras ou Canal do rio Palmital) – braço esquerdo da Baía da Babitonga,

Saí – fica na margem norte da Baía da Babitonga

  • Francisco de Oliveira Camacho, Saí, em 12/10/1846.
  • Antonio Vieira de Araújo, Palmital, 13/8/1846
  • Modesto Antonio Pereira, Saí, 8/1/1866
  • Reinaldo Soares de Oliveira, Saí, 4/9/1867.
  • Joana Francisca Carneira, viúva, e Manoel Ferreira do Vale, Rio Cubatão, em 4/7/1879 (1.289.728,38 b2=623 ha).
  • Gaspar Gonçalves de Araújo, Cubatão Grande, em 2/8/1873. (283.804 b2).
  • João Ferreira do Vale, Forno dos Pintos ou Formas dos Pintos, em 9/10/1875.
  • Frederico Brüstlein, Palmital, em 17/7/1879.(1.707.745,5 braças2).
  • Antonio Leandro de Toledo, Cubatão Grande, em 18/1/1881.

 

Cubatão Grande (Próximo ao aeroclube e aeroporto de Joinville. Acaba no atual bairro Jardim Paraíso)

  • Manoel Francisco Maciel, Colonia Dona Francisca, em 5/10/1861 (Saguassú).
  • Antonio João Vieira, Braço do Saguassú, em 19/12/1872.
  • Francisco de Oliveira Camacho, Saí, em 12/10/1846.
  • Anastácia Gonçalves da Silva, Rio dos Pinheiros, 20/12/1848.
  • Francisco Antonio Torres, Rio dos Pinheiros, em 12/12/1848.
  • Francisco Fernandes Dias, Sambaqui-guassú, em 12/12/1848.
  • José Gabriel Alves, Rio dos Pinheiros, em 20/12/1842.
  • Laurindo Gomes de Freitas, Cubatão Grande, em 23/9/1846, 48 mil braças quadradas.
  • Frederico Brüstlein, Palmital, em 17/7/1879.(1.707.745,5 braças2).
  • Antonio Leandro de Toledo, Cubatão Grande, em 18/1/1881.

 

            Paraty (atual município de Araquari)

  • Joaquim Pereira Lima, Itinga, em 25/1/1864.
  • Francisco da Maia Moreira, Ponte Alta, em 25/1/1867.
  • Salvador Bento de Jesus, Paquessaba, em 10/5/1876.
  • Severiano Antonio de Moraes, Ponte Alta, em 25/2/1847
  • Reginaldo Apolinário Moreira, Ponte Alta, em 22/1/1848.
  • João Francisco Budal, Ponte Alta, em 6/11/1848.
  • João Marques Moreira, Ponte Alta, em 11/12/1847.
  • José C. Moreira, Rio Itaperiú, 1010/1846.
  • Severiano Antonio de Moraes, Ponte Alta, em 25/2/1847.
  • Salvador Gomes de Oliveira, Porto da Caçada, em 13/8/1846 (560 braças2)

 

Joinville- Bupeva (região do rio rio Bupeva, no atual bairro Fátima)

  • Antonio de Oliveira Borges, Ariribá-Bupeva, em 13/9/1872
  • Bento de Oliveira, Ariribá-Bupeva, em 13/9/1872
  • João de Oliveira Borges, Ariribá-Bupeva, em 13/9/1872.
  • João José da Costa, Ariribá-Bupeva, em 139/1872
  • Manoel de Oliveira Borges, Ariribá-Bupeva, em 13/9/1872
  • Salvador de Oliveira Borges e outros, Ariribá-Bupeva, em 13/9/1872.
  • Sebastião da Costa Ramos, Ariribá-Bupeva, em 13/9/1872.

 

Joinville – Rio Cachoeira (margem do Morro do Boa Vista)

  • Antonio Machado Pereira, Cachoeirinha, em 19/1/1875 (entre a Lepper e a Casa da Cultura).
  • Príncipe e Princesa de Joinville, Rio Cachoeira, em 3/10/1874 (onde hoje é a RBS)
  • Antonio João Vieira, Morro da Cruz, em 19/6/1866 (ao longo do rio Cachoeira, depois do encontro com o rio Bucarein, na margem direita e rio Itaum. Também tinha terras no Paranaguamirim).

 

Joinville – Rio do Braço (Jardim Sofia, Estrada da Ilha, Pirabeiraba)

  • Antonio Francisco dos Passos (herdeiros), Rio do Barro ou Rio do Braço, em 22/10/1869

 

Política em português bem claro: Brasileiros de origem lusa concentraram o poder político por mais de 30 anos e contribuíram para fazer as bases da Joinville de hoje

 

A presença de brasileiros de origem lusa na região onde se desenvolveria Joinville remonta ao século 17 e seu apoio foi fundamental no estabelecimento da Colônia Dona Francisca.  Mas não parou por aí. A partir das últimas décadas do século 19, com a prosperidade econômica trazida pelo ciclo da erva-mate, os brasileiros se consolidaram na vida pública de Joinville. Unidos por uma intrincada relação de parentesco e compadrio, eles lideraram as principais instituições administrativas e políticas da cidade por mais de 40 anos. De 1892 a 1934 os luso-brasileiros estiveram no comando da Prefeitura (com poucas exceções, especialmente entre 1896 e 1902), um período marcado pelos investimentos em infraestrutura e modernização – e que seria determinante para os anos de desenvolvimento que viriam ao longo do século 20.

A liderança política anda de mãos dadas com o poder econômico. Este poder econômico se fortaleceu a partir da década de 1870, com a abertura da Estrada Dona Francisca e a intensificação do comércio e beneficiamento da erva-mate que vinha do Planalto Norte. Em junho de 1872, os primeiros carregamentos com erva-mate desceram pela estrada. Levaram um dia e meio para percorrer 80 km e abriram caminho para o estabelecimento deste ciclo econômico na região, já que a erva era produzida no Planalto Norte, nas cidades que fazem limite com o Paraná (Mafra, Canoinhas e região do Contestado, entre outras), descia pela Estrada Dona Francisca, era industrializada em Joinville e seguia por vias fluviais até São Francisco do Sul, de onde era exportada.

Os engenhos de erva-mate não tardaram a começar a produzir em Joinville e entre os pioneiros estão os de Antonio Sinke, de Morretes, a partir de 1877. Logo, outros empreendedores do mate, de Morretes e localidades próximas, como Celestino de Oliveira e Vicente Ferreira de Loyola também estabeleceram engenhos na região.

Com a matéria-prima vindo do Planalto e o beneficiamento feito em Joinville, foram abertas as primeiras empresas exportadoras – fechando assim, o ciclo de produção-beneficiamento-comercialização que seria o grande gerador de riquezas para a cidade no final do século 19. Nesta época, em 1891, surgiu a principal delas, com o nome de Companhia Industrial.

Não por acaso, os principais acionistas da Companhia Industrial foram os nomes que se destacaram na vida política por décadas a partir daí: Abdon Baptista, Procópio Gomes de Oliveira (ambos de ascendência lusa e descendentes ou vinculados pelo casamento às famílias mais antigas da região) e Ernesto Canac, de origem franco – os três foram superintendentes de Joinville (o chefe do Executivo, equivalente ao atual cargo de prefeito). “O poder político veio dessa liderança econômica”, destaca a historiadora Raquel S. Thiago.

Raquel pesquisou sobre a oligarquia do mate e escreveu o livro “Coronelismo Urbano em Joinville – o caso de Abdon Baptista”, onde explica como os brasileiros de origem lusa na região formavam uma intrincada rede de parentesco e compadrios, com uma grande força econômica e, consequentemente, política na virada do século 20 em Joinville. Ela explica que havia lideranças também entre os moradores de origem germânica, mas à princípio em esfera local. “Abdon Baptista saiu dessa esfera local. E este coronelismo urbano se deu através dele”, avalia, destacando que no período vigorava uma política de compromissos, da qual ele era o principal representante. “Foi o emissário dessa política de compromisso, marcada pela aliança entre o poder privado e o poder público”.

 

Parentesco, casamentos e compadrios

 

As famílias brasileiras de origem luso estabeleceram ao longo do tempo uma rede de relacionamento complexa, baseada no parentesco, nos casamentos e no apadrinhamento. Isso explica como o médico baiano Abdon Baptista, que chegou a São Francisco do Sul em 1880 aos 28 anos de idade, já formado, conseguiu se tornar um dos expoentes políticos da região. Do final do século 19 até a segunda década do século 20, ele foi prefeito de Joinville por duas gestões, deputado estadual, federal e senador da República.

A sua entrada na vida local se consolidou a partir do casamento com Theresa Nóbrega de Oliveira, em 1884. Theresa era filha do coronel José Antônio de Oliveira, uma liderança em São Francisco do Sul, e vinculado ao Partido Liberal – partido a qual Abdon Baptista se ligaria. Os sobrenomes já dão uma ideia da entrada dele para uma família tradicional, radicada na região já há mais de um século. Em seu livro, Raquel S. Thiago ajuda a estabelecer as conexões de parentesco, quando conta que Teresa era irmã de Cezarina Gomes de Oliveira, casada com João Gomes de Oliveira Jr, filho do patriarca João Gomes de Oliveira que, por sua vez, era pai também de outro nome fundamental naquele período, em Joinville: Procópio Gomes de Oliveira.

Outros filhos e filhas de João Gomes de Oliveira estiveram vinculados ao ciclo do mate. Um exemplo é a filha Rita, casada com Victor Celestino de Oliveira, que era filho de José Celestino de Oliveira, um dos primeiros empreendedores de Morretes que se estabeleceu com engenho em Joinville. Em seu livro, Raquel S. Thiago resume esta relação: “O que pudemos observar foi a existência de um grupo familiar, cujo tronco foi João Gomes de Oliveira, e sua figura mais proeminente, o seu filho, coronel Procópio Gomes de Oliveira. Este grupo, que se  relacionava intensamente através do compadrio e da atividade econômica, foi acrescido de elementos de outras famílias por laços de casamento, compadrio e, concomitantemente, por relações de negócios”. As “relações de negócios” tinham seu ponto forte na erva-mate.

Assim, ao aliar-se a este grupo, Abdon Baptista inseriu-se definitivamente na comunidade local e firmou a base para sua atividade política, econômica e social. “Não resta dúvidas de que seu casamento, integrando-o na vida política e econômica local, lhe tivesse proporcionado também o prestígio social que, como ‘de fora’, não possuía”, destaca a historiadora.

 

Família Moreira – contribuindo para a construção da cidade

A rede de relacionamento das famílias de origem lusa era ampla e incluía muito mais sobrenomes que os Gomes de Oliveira ou Abdon Baptista – embora eles a permeassem. Personalidades atuantes na vida econômica, social e política da época também integravam esta que é conhecida como a “elite luso-brasileira”. Ignácio Bastos (que embora não fosse ligado à erva-mate, foi jornalista e professor, e um dos fundadores do Clube Joinville), Antônio e Francisco José Ribeiro, Crispim Antônio de Oliveira Mira, João Eugênio Moreira Jr, Pedro Lobo e Mário de Souza Lobo, Victorino de Souza Bacellar, entre muitos outros, eram nomes que integravam esta rede, que incluía também aliados de outras origens, mas também ligadas ao negócio da erva-mate, como Bernardo Stamm, Ernesto Canac e Etienne Douat, por exemplo.

Os descendentes destas famílias continuam atuando na construção da cidade   e são lembrados nos estudos sobre aquele período ou em nomes de ruas ou instituições. Um exemplo disso é a família Moreira. O patriarca, João Eugênio Moreira Jr, nasceu em 1844 nesta região e atuou na vida pública ao longo da segunda metade do século 19. Bisneta de João Eugênio Moreira Jr, Marina Moreira Braga explica que ele foi eleito vereador em 1887 para um mandato que iria até 1891. Com a Proclamação da República em 1889, a Câmara Municipal foi dissolvida e criado Conselho da Intendência, do qual ele passou a fazer parte. Depois disto, ainda participou por mais dois mandatos, no século 20. “A importância das famílias lusas em Joinville se dá em um período do final do século 19 até por volta de 1930. Era uma hegemonia nesse período”, constata Marina.

João Eugênio Moreira Jr casou-se com Guilhermina Witt e teve sete filhos. Na sua rede de relacionamento e compadrio está João Gomes de Oliveira. E ao observar alguns laços de casamento de seus filhos é possível identificar personalidades que se destacaram na vida de Joinville ao longo do século 20. “O compadrio e o parentesco formaram um entrelaçamento muito grande. Este entrelaçamento permanece até os dias de hoje”, analisa.

O filho mais velho do patriarca, João Eugênio Moreira Neto (que tinha um irmão gêmeo, Procópio), avô de Marina, casou-se com Ana de Oliveira Mira, que era irmã do jornalista Crispim Mira e neta de João Gomes de Oliveira. A terceira filha, Herondina Moreira, casou-se com o industrial Henrique Douat, da H. Douat e Cia, que tinha forte atuação no ramo metalúrgico e madeireiro, além de companhia de seguros e representação comercial de marcas nacionais. A quarta filha, Frida, casou-se com Otávio Rosa, a quinta filha, Adelina casou-se com Eduardo Gonçalves (Farmácia Minâncora), a sexta filha, Marietta casou-se com Ernesto Lopes e o filho caçula, Eugênio, casado com Paula Stewe, seguiu os caminhos do pai como político e foi industrial na área têxtil – hoje ele é homenageado com uma rua que leva seu nome, no bairro Anita Garibaldi.

 

(Esta matéria foi publicada originalmente no jornal Notícias do Dia)

 

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