Milton Maciel – Discurso de posse

Boa noite, senhoras e senhores e digníssimas autoridades, que nos deram todos o seu precioso tempo nesta noite, gentilmente. Estimadíssimos colegas da difícil arte das Letras, acadêmicos e não-acadêmicos, passados, atuais e futuros:

Quis o fado que eu me tornasse para sempre devedor de gratidão para com o presidente desta Academia, Dr. Carlos Adauto Vieira,- pelo convite – e de todos os membros da mesma – por minha aceitação – para integrar com eles este sodalício. Este 2 e setembro marca, assim, uma extraordinária efeméride em minha carreira de escritor e em minha vida.

Tive a felicidade de poder fazer duas escolhas fundamentais: a que acadêmico eu haveria de suceder e quem seria o nosso patrono. Não tive qualquer dúvida: escolhi a poeta joinvilense Josette Maria Schwoelk Fontán e, como patrono dela e meu, o notável escritor, também joinvilense, Ernesto Niemeyer.

Antes de mais nada, eu os escolhi por serem poetas. E para que servem os poetas? Por que precisamos deles? Dou-lhes a resposta neste excerto de um poema bem mais longo que publiquei:

QUE POETAS EXISTAM, É PRECISO

MILTON MACIEL

 É preciso que os poetas falem roucos,

Livre, soltos, desmiolados, doidos, loucos;

É preciso que os poetas cantem soltos,

Os seus ais de mares mansos ou revoltos.

 

É preciso que os poetas digam tudo,

Almas tristes, desvalidas, estro mudo.

É preciso que os poetas gritem alto,

Por amarem, peito em lava ou frio basalto.

 

Mistér se faz que eles existam, simplesmente,

Para gritar, por nós, o que nos vai na mente.

Solucem eles, por nós, o nosso canto

De amor, de desamor, de desencanto.

E que traduzam, infelizes, descontentes,

O que se oculta em nossas almas decadentes.

 

Justificados os poetas, passemos ao primeiro:

 

ERNESTO NIEMEYER. Nosso patrono nasceu em 1863 e teve, de batismo, o nome Johan Friedrich Georg Ernst Niemeyer. Foi o primogênito do engenheiro Ludwig Niemeyer, então o administrador da Colônia Dona Francisca, nossa Joinville. Um escritor extremamente produtivo, publicou várias dezenas de livros, distribuídos em romances, novelas, crônicas, ensaios e poesias, além de ter uma ativa participação na imprensa. Foi funcionário público e diretor de Departamento de Telégrafos. A partir de 1912, aposentando-se, foi viver em Curitiba. Uma característica o distingue sobremaneira: a quase totalidade dos seus livros foi escrita em alemão. A elevada qualidade da sua poesia levou-o a ser considerado o maior poeta brasileiro em língua alemã. Faleceu em 1950, com 87 anos incompletos.

JOSETTE MARIA SCHWOELK FONTÁN. Nascida em 1927 e falecida muito precocemente em 1975, aos 48 anos de idade, publicou seu primeiro livro, “Dança das musas”, em 1957. A seguir publicou “Caramujos de vidro” (Ed. O Formigueiro, Curitiba, 1962), ambas como nome de solteira Josette marai Schwoelk. Com o nome de casada, acrescido o sobrenome Fontán, publicou “Teogonia das rosas”. Natural de Joinville, foi em Curitiba que construiu sua vida literária, participando da série “Coleção Poética Paranaense”. Aos 42 anos, em 1969, participou da fundação de nossa Academia Joinvilense de Letras. Deixou-nos apenas 6 anos depois. Cabe-me a imensa honra de ser seu sucessor nesta Casa.02

Como homenagem especial a Josette Fontán, musiquei um de seus poemas, que aprendo à consideração dos presentes:

 

O TESTAMENTO DA LUA

Josette Maria Schwoelk Fontán

 

No luar deste momento,

Vou deixar meu testamento:

 

Deixo a todos os poetas,

Que em mim inspiração buscaram,

As mais doces esperanças,

O meu luar inteiro,

Minha luz – minha saudade.

 

A todos que durante minhas

Noites de insônia,

Me acompanharam cantando na rua

Deixo minha gratidão eterna de Lua.

 

Aos namorados que, além do amor,

Ainda me contemplaram

Deixo minha aliança acetinada de luar.

 

Mas aos homens ingratos,

Que em meu íntimo penetraram,

E, sem piedade, violaram minha serenidade,

Deixo minha mágoa sentida,

A única dor que tive em toda a vida.

 

Encerro esta despretensiosa conversa como convém a uma academia de letras: dizendo, num curto poema, o meu imenso amor por esta que é o elo que une todos nós, a nossa ferramenta diuturna de trabalho, a riquíssima e inesgotável fonte de toda nossa expressão literária:

 

SUPREMA EXPRESSÃO DA BELEZA   

MILTON MACIEL

 

Ó divinos criadores, arquitetos celestiais,

Eis o novo desafio, de dimensões colossais:

É mister que hoje criemos o canto de uma nação

E, para os seus habitantes, uma forma de expressão.

 

Seja uma forma falada das mais sutis melodias,

Que possa cantar, a um tempo, os amores e elegias.

Que tenha o sonido cavo do ribombo dos trovões,

Expresse o bramido das ondas, o ronco dos furacões.

 

Mas que possa, ao mesmo tempo, doces amores cantar,

E espalhe os suaves sussurros dos amantes ao luar.

Que ela traduza, dolente, mil sutis sonoridades,

Que vão do brilho dos céus até a escuridão do Hades.

 

Que abrigue em seio gentil as rimas mais primorosas

E que descreva, inebriante, cores e aromas de rosas.

Mas também saiba dizer, a mais que suaves dosséis,

O estrupidar violento dos cascos de mil corcéis.

 

Cante a vida delirante, com seus prazeres sensuais,

Mas grite também lamentos nos momentos mais fatais.

Que externe a alegria que encanta e a mágoa que corrói

E celebre, em triunfantes odes, os seus maiores heróis.

 

E ao chegarmos, no final, a tal expressão da Beleza,

Chamaremos a esta joia de LÍNGUA PORTUGUESA.

 

Muito obrigado!

 

Só que, antes de entregar a palavra, quero deixar meu agradecimento especial a minha nova colega Nelci Terezinha Seibel, gaúcha como eu, que tão bem me recebeu com sua linda ladainha:

 

“Mas bah, tchê! Esta guria falô tanta cosa macanuda sobre mim, que eu agora fiquei com medo: quantos contos de reis não vô tê que pagá pra ela despôs, pela xurumela de elogios?”

 

 

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