Minhas dúvidas sobre Papai Noel (Hilton)

MINHAS DÚVIDAS SOBRE PAPAI NOEL
Hilton Görresen
Eu não acreditava em Papai Noel, acreditando. A gente nunca sabe… Dizem que o bom velhinho, apesar de toda aquela pança, entrava em nossa casa pela chaminé. Mas como, se lá em casa não havia chaminé? Meu pai nos mandava sair e ficar aguardando no cais em frente, enquanto Papai Noel depositava os presentes debaixo da pequena árvore enfeitada.
Comecei a desconfiar de que aquele negócio todo era balela quando, uma semana antes do Natal, descobri embrulhadinha no guarda-roupa de meu pai uma bola de futebol de couro, a mesma que eu havia pedido ao bom velhinho.
Para intensificar minhas suspeitas, descobri que o velhinho de vermelho e barbas brancas que algumas vezes vinha em pessoa nos entregar os presentes tinha voz parecida com a da filha de nosso vizinho, seu Tomé, embora tentasse disfarçá-la, procurando falar grosso. Mesmo assim, eu sentia certo receio, pois o desgramado sabia todas as travessuras que eu havia feito. Pensei em dar um puxão na sua barba para confirmar; mas, e se fosse mesmo Papai Noel? Perigava ele não atender mais minha lista de pedidos. Passava meia hora todas as noites, antes de dormir, fazendo minhas reivindicações e, não sei por que motivo, o velhinho só me trazia uma pequena parte delas. Pedia um pônei de verdade e recebia um cavalinho de madeira.
Desconfiei também de um sujeito barbudo que passava sempre em minha rua, mais velho do que o primeiro catecismo do Papa. Um dia resolvi abordá-lo:
– O senhor é que é o Papai Noel?
Ele me olhou carrancudo:
– Menino, vai te bugiá!
Não preciso dizer que a terrível dúvida continuou. Mas era capaz de Papai Noel existir mesmo, pois até os comerciantes, que eram adultos, acreditavam nele, principalmente seu Ademar Branco, que tinha uma loja de brinquedos.
Fosse quem fosse o Papai Noel, a gente costumava ganhar bons presentes. Bolas, jogos, futebol de botão, almanaques de gibi de fim de ano. Armas de brinquedo, a gente ganhava em todo Natal. Eutinha em casa um verdadeiro arsenal, de dar inveja a muito traficante. Era um tempo de culto ao velho faroeste. Nossa principal brincadeira era o “camone”, corruptela de “came on”, expressão dita pelo mocinho com a arma apontada para seus inimigos.
Na manhã seguinte, não se podia faltar à missa solene na Igreja Matriz. Tinha vontade de ficar em casa, curtindo meus novos brinquedos, mas Deus que me livrasse se a Madre Superiora do colégio não me visse na igreja.
Hoje, sei da simples e boa verdade: Papai Noel somos nós, pais e avós.
TEXTO PULICADO NO JORNAL A GAZETA DE SBS EM 19.12.2020

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