Mocinhos e bandidos

Em meados do século 19, alguns remanescentes da corrida do ouro na Califórnia olharam em volta de si, para as imensas pastagens do oeste, e perceberam que eram o lugar ideal para criação de gado. Para cuidar de seus rebanhos e conduzi-los através das pradarias até os pontos de venda é que surgiu a pitoresca figura do caubói, ousado, de aspecto rude, dono de grande habilidade para montar e lidar com animais. Foi essa figura que mais tarde foi mitificada pelo cinema.

A epopeia da conquista e desenvolvimento do Oeste americano começou a ser narrada nas obras de James Fenimore Cooper (O Último dos Moicanos, A Pradaria e outros). Era um culto romântico ao passado do povo americano, o mesmo produzido no Brasil por José de Alencar. Em 1903, o cineasta Edwin Portter apresentou o que seria o primeiro “longa metragem” com enredo no cinema: O Grande Assalto de Trem (The Great Train Robbery). O cenário era o velho oeste, com direito a tiros e perseguições a cavalo. O sucesso da obra incentivou o gosto pela exploração do gênero nas telas.

De onde vinham os assuntos para essas primeiras produções do faroeste? Primeiramente, de peças de teatro, apresentadas por grupos que percorriam as regiões selvagens, dando um pouco de divertimento aos seus rudes habitantes. Representavam a vida e as peripécias de figuras conhecidas e temidas: Jesse James, Búfalo Bill, Billy the Kid…  Em seguida, buscavam inspiração nas românticas baladas que falavam de heroicos pistoleiros e da vida aventurosa dos vaqueiros. Autores do gênero, como Owen Wistler (criador de “O Homem de Virgínia) e Zane Grey tiveram suas obras vertidas para o cinema.

O primeiro “mocinho” a ter público e direito a figurar como astro em sucessivas películas foi Bronco Billy. A ele seguiu-se o famoso Tom Mix, emérito cavaleiro, que havia crescido em um rancho, nas lides de vaqueiro, descoberto pelos cineastas quando exercia a função de xerife. Outro astro do faroeste, ainda na fase muda do cinema, foi William S. Hart, pouco conhecido nos dias de hoje.

Generalizou-se a figura do caubói intrépido, honesto, exímio atirador, sempre ao lado da justiça, dos fracos e oprimidos. Apareceram nas telas (e posteriormente nos gibis) mocinhos famosos, que faziam as delícias dos jovens nas matinês até a década de 60: Roy Rogers, Gene Autry, Rocky Lane, Durango Kid, Hopalong Cassidy e outros. Foi a época de ouro dos filmes B, películas ingênuas, de ação constante (invariavelmente tiroteios e perseguições a cavalo), feitas com escassos recursos, apostando seu sucesso no carisma do mocinho, o bom caubói, identificado pelas roupas, pelo chapéu (quem não conhecia o chapéu de Roy Rogers, de Tom Mix, de Hopalong?) e pelo inseparável cavalo, que só faltava falar. Não podemos esquecer também dos famosos Colts. Sacar rápido e atirar com precisão foram a marca inquestionável do herói do faroeste. Numa região ainda selvagem, onde a força da lei era precária, imperavam os direitos do mais forte. E o mais forte era aquele que se via amparado em seu Colt.

A mocinha era sempre uma doce donzela, valente e leal, que geralmente acabava “em perigo” nas mãos do malvado vilão. Por economia de recursos, a mãe da mocinha era figura inexistente (pra que pagar mais uma figurante?); havia apenas o pai, velho correto e injustiçado, geralmente ousado proprietário do jornal da região.

E o vilão, o célebre bandidão? Esse era o chefe de uma gang, que pretendia tirar benefícios de alguma atividade desonesta, mesmo que para isso tivesse de eliminar algumas pessoas. Podia ser comerciante, criador de gado, dono de “saloon”, jogador, ou mesmo um perigoso assaltante. Vestia-se elegantemente, à moda do leste, e não dispensava um atrevido bigodinho. Normalmente, suas atividades ilícitas permaneciam incógnitas, até ser desmascarado no final pelo mocinho.

Mais tarde, o bom caubói foi substituído pelo pistoleiro solitário, cujo mais conhecido representante foi Shane, personagem aparecido no filme “Os Brutos também amam”.

Daí a mitificação do pistoleiro que infundia medo e respeito aonde chegasse, e que, terminada sua missão, sumia novamente no horizonte. A partir dos anos 70, o faroeste entrou numa fase de maior realismo, em que as figuras do bom e do mau se confundem, as belas vestes são substituídas por roupas andrajosas e empoeiradas. É a vez dos “mocinhos” durões, interpretados por Clint Eastwood, Lee Marvin, Lee Van Cleef e outros. A crueldade e a violência nesses filmes agridem os antigos jovens acostumados às inofensivas trocas de tiros na matinê das duas.

Mas será que existiu a figura do caubói intrépido, de honestidade a toda prova, ou a do herói justiceiro e solitário, sem amor e sem destino?

“Quem vê no cinema os heróis das fitas de cowboy, não se dá conta do que foram realmente esses pistoleiros da turbulenta história do Oeste norte-americano. O mocinho defensor da justiça, perseguindo o bandido traiçoeiro e venal, é mais criação de Hollywood do que expressão da verdade. Nos tempos violentos da conquista do Oeste, não havia mocinhos nem bandidos: eram todos matadores implacáveis, que assassinavam por dinheiro ou pela glória – sempre precária e contestada – de ser o gatilho mais rápido da fronteira” (O Oeste Violento – Revista Grandes Acontecimentos da História, nº 2, junho de 1973).

Bibliografia:

ZILBERMAN, Regina (org.). Os preferidos do público. Vozes, Petrópolis, 1987.

RIEUPEYROUT, Jean Louis. O Western ou o cinema americano por excelência. Itatiaia, B. Horizonte, 1963.

LEUTRAT, Jean-Louis. Le western – quand la légend devient réalité. Gallimard, Paris, 1995.

DUPUIS, Jean-Jacques. Le western. Éditions J’ai lu, Paris, 1990.

EVERSON. William K. El western de Hollywood. Odin Ediciones, Barcelona, 1994.

COMPARTILHE: