Não cabe o silêncio

Inflama. Palavra solta pega fogo. Vira cinza. Renasce. Arremata, arrebata, inicia e termina. Palavra solta é objeto de agressão e é carinho. É prólogo, epílogo e tudo que há entre. Palavra solta é semente e tiro certo. É risco e conforto. E palavra presa mata.

A folha continuava em branco, enquanto a cabeça de William girava em torno de mil ensaios. Não era um homem eloquente, nem na fala, nem na escrita. Que peia! Devia ser a velha máquina de escrever que há anos oprimia-o. Desde que fora obrigado a escrever uma carta de desculpas ao diretor da escola por ter ofendido a roupa que não cabia o homem dentro. O pai prostrado atrás de si gritava “Escreva! Onde já se viu tamanha galhofa? E com o diretor da escola! Quer ser expulso, William? É isso que você quer? Escreva! Vamos!”.

Seu pai já não rosnava atrás de si, não havia um diretor para se desculpar, bastava escrever, colocar a primeira palavra, mas que fosse a palavra certa, em tamanho e sonoridade, que dissesse tudo o que ele não podia expressar oralmente. O filho se aproximou, tinha não mais que seis anos, nunca vira o pai diante daquela máquina. Olhou-o indagando, William devolveu o olhar, mas não deu resposta. Levantou-se, talvez fosse melhor usar o computador, quem sabe um caderno, qualquer coisa que não fosse a velha máquina de escrever, mas ele sabia que não era culpa da máquina. Não havia era palavra capaz de saltar de seus pensamentos para uma página em branco. Desolado, sentou no sofá colocando o queixo sobre as mãos e os cotovelos sobre os joelhos. Não viu o filho subir na cadeira e apertar algumas teclas. Nem viu a chegada de sua esposa.

– Nada?

– Não.

– Você precisa.

– Eu sei.

Respirou fundo. Bufou. Voltou à máquina e sentou-se, fechou os olhos e viu sobre si todas as palavras soltas, buscando espaço e colocação. Seus dedos atiraram-se sobre os teclados e, por fim, todas as palavras tomaram seu lugar na página. A esposa e o filho correram a ver felizes tamanha atividade. William finalmente soltara todas as palavras presas de sua garganta e, com elas, o peso de guardar o mundo dentro de si.

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