Nova morada

Eram tempos de mudança. Esgotados os espaços físicos disponíveis para as novas construções na face da Terra, as pessoas passaram a procurar soluções alternativas para estabelecer sua morada.

Os primeiros a detectar esta tendência de escassez, práticos e objetivos, decidiram e foram ágeis em voltar a abrigar-se nas antigas cavernas.

Uma parte da população, de viés nômade, fez crescer o número daqueles que instalam seu lar sobre pequenas embarcações e passam os dias ao sabor da maré, da força das águas e da direção dos ventos.

Alguns, incluindo os claustrofóbicos, apreciaram a oportunidade de viver em árvores. Se de fato perderam muito em conforto, também compensaram parte disso em aventura, levando de brinde um deslumbrante visual panorâmico.

Outros, como eu, escolheram habitar palavras e saíram à procura daquela que reunisse as condições exemplares para chamar de lar.

A princípio optei por ideia, no plural, fascinada com a possibilidade de desfrutar o prazer de perder-me em sua amplitude.

Imaginei uma vida feliz, longe de enfadonha rotina, já que ideias fazem ótimas parcerias com os mais diversos verbos de ação, o que torna possível, por exemplo, viajar, navegar ou voar entre elas.

Ideias são livres e leves, mas – repletas de significado – jamais inúteis ou vazias. Pelo contrário, têm o hábito de crescer em complexidade, o que por vezes faz com que se multipliquem e passem a formar novas famílias.

A vida entre ideias também é rica em emoções e foge das amarras do tempo. Nesta casa, há autonomia para transitar entre o passado, o presente e o futuro.

Existe apenas um senão para confirmar esta minha escolha: não abro mão do direito de ignorar a plástica forçada conferida à palavra na mais recente reforma ortográfica da língua portuguesa.

Exijo que ideia recupere a graça da sonoridade original, retomando o acento agudo que lhe confere, graficamente, a expansibilidade com a qual foi concebida.

 

Posso dizer que, no momento, só isso ainda me impede de habitar ideias.

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