O bêbado e o batráquio

Sem saber como, foi parar no chão enlameado (mas nós sabemos como: saiu do bar, deu alguns passos trôpegos, deslizou na lama e foi de nádegas no chão). De olhos entreabertos, avistou um pequeno ser esverdeado, parado em sua frente e que o olhava com curiosidade.

Era o tal do batráquio do título, mais especificamente, um sapo, daqueles enormes e viscosos. Há que se ter cuidado ao lidar com sapos, dizem que alguns deles podem virar príncipes. Mas é preciso lhes dar um beijo.

Não sei se o fulano pensou nessa possibilidade, mas se aproximou do bichinho e iniciou com ele um diálogo, aliás, um monólogo, pois o sapo ainda não podia exercer a faculdade da fala, como acontece nos contos e nas fábulas.

– Veja você, companheiro: a coisa tá feia.

A voz saía pastosa, parecia que os lábios estavam grudados dificultando a saída da voz.

O sapo deu uma mexida no papo, concordando. Pra ele talvez as coisas não estivessem boas também. Ou talvez só estivesse deglutindo a última mosca.

– Com o preço da gasolina, é melhor vender meu velho Monza.

Que adianta ter veículo pra ficar parado na garagem? O dinheiro não tá dando nem pro leitinho aqui do “véio” (e imaginamos de que leitinho se trata). Só ligamos a TV pra “véia” assistir sua novela, disso ela não abre mão. Até no banheiro tamo indo de vela acesa pra não gastar energia. Isso é vida? Diga, companheiro, fale a verdade.

O sapo parece que deu uma arrotada.

– Tô vendo que o companheiro é educado, gente fina; não fica, como a minha “véia”, me chamando de bêbado sem-vergonha. É o único que me compreende. Posso contar um segredo?

O homem colocou comicamente um dedo nos lábios:

– Chiu! Calada! Fica só entre nós, hein? Tô parando de beber! Faz uns três anos. Agora é pra valer. Esta vez foi a última. Chiu! Boca fechada! Quero fazer surpresa pra “véia”.

Em seguida, fez um gesto de desânimo: mas o negócio não é fácil, não, companheiro. Tem as manobras da oposição, as dissidências, as conjuminâncias, as controvérsias, as bisofâncias, os interc… inters…tícios… Se não beber um pouco, a pessoa acaba de miolo mole.

E chegou mais perto do animalzinho, quase tocando sua bocarra:

– Entendeu, companheiro? Você tá entendendo?

O sapo parece que teve um frenesi, se arrepiou todo. Seriam os eflúvios da bebida? Depois dessa cena, o sujeito simplesmente se apagou. Cerrou os olhos e finalmente desabou todo o corpo na lama.

E o sapo, isto é, o outrora belo príncipe, há séculos à espera do beijo salvador, pensou, desanimado: desta vez foi quase!

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