Para quê, afinal?

Era com esse título que, como se em caixa alta e negrito, o procurador federal bradava a desnecessidade de tão inócuo aprofundamento em algumas matérias estudantis, principalmente de Ensino Médio, aos estudantes brasileiros. O Supremo Tribunal Federal estava lotado, não em termos numéricos pois o recinto não abriga muito mais que uma centena de pessoas, mas as câmeras ali posicionadas interligavam milhões de brasileiros àquele debate.

E que debate.

Mas voltemos no tempo, para melhor compreensão do leitor sobre o assunto tratado naquele órgão jurisdicional.

Era manhã de quinta-feira, não faz muito tempo, coisa de uma década no máximo. A chuva corria na cidade já conhecia por aquela, quando ao iniciar a longa jornada entre o sair da cama e o chegar ao trabalho, o procurador escutou de seu filho mais velho que não queria ir para o colégio.

Secundarista, como se dizia antigamente, o rapaz adolescente xingava professores, como se culpados fossem, pelas cobranças havidas. Não foi afeito aos ensinamentos fraternos, coisa que deixara em comum acordo para a seção maternal da residência, nosso protagonista se viu curioso com a situação. Resolveu ter com o filho:

– O que que está acontecendo? – típica pergunta de líder nato, sendo feita de forma forte e direta.

– Pai, não quero mais ir pro colégio. Não dá mais…. – e por aí foi um infindável rio de lamentações. Clichê indispensável.

Pensativo, o pai queria saber mais sobre a negativa em estudar do filho. Começou falando que foi pobre, veio debaixo, estudou muito, só conseguiu ser o que é e ter o que tem justamente por estudou, etc, etc e etc. O de sempre.

Como não dava tempo para melhor aprofundamento – provas, provas, provas – o promotor ficou de conversar a noite com o filho, já convencido em continuar seus estudos.

A noite, um pouco mais calmo, o jovem interrompe o pai na confortável poltrona feita para leituras prolongadas:

– Pai, então, trouxe aqui as apostilas que estudo, que o pai pediu…

Como sempre de poucas palavras, murmurou algo enter “aham” e “hum” e pegou-as na mão. Cofiou seu cavanhaque e iniciou suas leituras. Pediu licença ao filho que, no dia seguinte, iria lhe dar uma posição.

Amanhece.

O promotor está indignado. Logo no café da manhã sua ira começa a desembestar-se:

– Isso é um absurdo. Um verdadeiro sacrilégio. Exigir esse aprofundamento de adolescentes! Questões que são de… de… vestibular, mais parecem concursos públicos, de nível universitário. Algo inaceitável…

E rumou para o escritório, um pouco mais calmo ante os docinhos de coco preparados por sua esposa, a tão fiel Mafalda.

Lá chegando, mal cumprimentou os outros promotores e, do alto de seu gabinete, começou a preparar a minuta da petição inicial. No polo passivo constavam vários réus: União Federal, Ministério da Educação, editoras de apostilas de ensino, as maiores franquias de colégios… tudo para que revissem a grade curricular. As matérias, no entendimento do procurador federal, estavam preocupando-se muito mais em aprofundar-se a nível de especialização em todas as matérias, do que ensinar o que realmente se necessita e, quem quisesse seguir por uma das áreas da educação (exatas, biológicas ou sociais), que ingressasse na universidade para aprofundar-se.

O maior rebu.

O mais escarcéu.

A imprensa, quando soube, fez um auê daqueles. Entidades educacionais se manifestaram. Especialistas digladiavam-se com suas opiniões contrárias e favoráveis. O Governo Federal tachou o procurador de esquizofrênico da educação. E por aí foi.

Sobreveio sentença de improcedência.

Sobreveio reexame necessário e apelação, não providas.

Sobrou para o Supremo Tribunal Federal, assim, a incumbência de dissecar o assunto e por um basta às questões tidas por inócuas em várias matérias – como há muito alguns setores da educação queriam, sobrando tempo para outras matérias mais sociais e de uso prático no cotidiano – ou acabar com a discussão e continuar com o sistema educacional atual.

Retornando ao início desta passagem, o procurador discursava para os ministros do STF, em sua sustentação oral:

– Não é possível que se utilize de tão nobre tempo educacional para ensinar aos nossos jovens questões tinhosas, afeitas tão somente à quem segue carreira em determinado ramo ou matéria, de modo que se o sistema educacional já reclama de falta de tempo para ministrar muitas matérias, sobraria inclusive para preenchimento deste espaço as matérias suscitadas como faltantes e que são de maior importância. Ora, para que saber se a frase dita por mim anteriormente, por exemplo, seria uma “oração coordenada substantiva subjetiva” ou coisa que o valha? Sequer eu sei se é isso mesmo! E para quê, afinal? O que isso nos importa? Classificações tão esdrúxulas que só servem para transformar o ensino em decoreba pura. Maior exemplo de inutilidade não existe do que a tabela periódica. Do que decorar elementos químicos, como se fossem coisas que servissem de indispensáveis em nossa vida. Outro exemplo é a tão falada Física, aprofundada a assuntos que são estudados até o terceiro ano dessa faculdade, conforme provado nos autos! Para quê, afinal? E não se está dizendo aqui que não sejam estudadas. Não. Estou dizendo apenas que não precisam ser cobradas ou aprofundadas da forma como estão sendo. Há que se ter uma reformulação do sistema educacional brasileiro com base em apenas uma única pergunta: O que realmente importa para um jovem saber nos dias de hoje? Ele está mais interessado em saber o nome completo da Princesa Izabel ou como se faz uma compra de um imóvel, com todos os impostos que terá que pagar, os cartórios que terá que frequentar, as certidões que precisará? Afinal, o que lhe será mais útil entre esses dois exemplos? Hoje temos jovens que sabem, porque precisam saber senão não são aprovados no vestibular, de coisas que, passado o vestibular, nunca mais, repito nunca mais, irão ver na vida. Saberão que existe, mas vão esquecer simplesmente porque não é útil no seu cotidiano. Veja o exemplo dos operadores de Direito. Hoje alguém neste recinto, por força da questão profissional, precisa saber a tabela periódica de cor e salteado? Que o saiba por interesse próprio. Mas até mesmo se tal questão for suscitada em um processo, basta consultá-la! Como dito alhures, não estou combatendo a retiradas destas matérias e assuntos aqui exemplificantes da grade curricular, mas que sejam apenas vistas a título de conhecimento. E não só estes exemplos, mas tantos outros que constam no pedido inicial. Um jovem que hoje passa no vestibular sabe o que tem dentro de uma célula – aquelas aulas de membrana plasmática, citoplasma, etc – mas não sabe abrir uma conta num banco. Ora, o que lhe será mais útil em sua vida? Para quê, afinal? Como os nossos nobres educadores – e fui muito criticado por muitos deles – querem atrair os jovens para a educação, num mundo cheio de tecnologias, praticidade e cada vez mais desburocratizado? Com aulas enfadonhas que culminam na decoreba, ou na cola, apenas para passar de ano? Ou a escola poderia reformular sua grade para dar-lhes, além da educação básica e importante, aulas de cidadania, formando cidadãos de verdade, politizados e educados?

E encerrou sua sustentação.

E aguardou.

Aguardou os votos, e aguardou mais um pouco porque isso sempre demora.

Suava frio, sabia que tinha poucas chances mas, se tinha chances, era ali. Apesar das pressões para que desistisse da ação.

Concisamente: o STF julgou procedente a ação, no dia primeiro de abril daquele ano.

8/4/2016

 

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