Processando a si próprio

Na metrópole germânica situada ao norte catarinense, na encruzilhada entre as serras Dona Francisca, do Mar e este próprio, localiza-se um dos ares mais abafados e um dos climas mais chuvosos do país. O dia era típico e aportou num conhecido escritório de advocacia trabalhista da cidade uma senhora de meia idade.

Quem a atendeu foi um advogado jovem e recém casado, que provinha de família abastada e conhecida no ramo advocatício exclusivamente trabalhista, dividindo o escritório com outros parentes advogados.

Verificado o direito da senhora em ingressar com ação trabalhista contra a ex-empregadora, logo o jovem advogado prontificou-se a digitar a petição inicial e ingressar com a ação.

Tempos depois, a senhora aporta no escritório de advocacia:

– Doutor, eu recebi uma carta.

Estranhando o fato, pois a Justiça do Trabalho catarinense não envia comunicado de audiências para os clientes dos advogados – cabendo à estes a comunicação – verificou que o endereço da Reclamada constou como sendo o da Reclamante, ou seja, ambas tinham o mesmo endereço.

– Não se preocupe, senhora, hoje mesmo farei uma petição ao juiz pelo equívoco que cometi. É o excesso de trabalho!

Como ser humano que é, sabedora que todos cometem erros, a senhora despreocupou-se e compareceu à audiência inaugural, juntamente com o advogado, crente que estava tudo certo.

A ex-empregadora não veio e o juiz tão somente deu-se ao trabalho de verificar no sistema eletrônico se a mesma tinha sido citada. Com a resposta positiva, foi dado como revel e julgado procedente o feito, após a tomada do depoimento pessoal da Reclamante.

Meses se passaram e nada do dinheiro da tal senhora ser liberado. Coincidentemente, encontrou a ex-empregadora na rua e até indagou com a mesma quando ela iria pagá-la, à resposta que nada sabia e que não lhe devia nada.

Nova correspondência.

A senhora desta vez está indignada. Desta vez vai direto ao Poder Judiciário, pois recebeu uma intimação de… execução!

Ao ver o óbvio, o servidor público conclui que o jovem advogado não peticionou para informar o endereço correto da Reclamada e, com isso, a execução voltou-se contra a própria Reclamante.

Faz-se certidão pelo cartório narrando os fatos e, após conclusão, o juiz manda um oficial de justiça ao endereço informado na petição inicial, para certificar se, de fato, há o equívoco informado pela senhora.

O oficial de justiça vai até a casa da mesma e confirma que aquele é o endereço da Reclamante, apesar da Reclamada constar como tendo sede naquele local, conforme informado na petição inicial.

Em novo despacho, o juiz anula a sentença por totalmente descabida, revertendo os benefício da justiça gratuita à Reclamante, ao entender que a mesma litigava de má-fé ao mover a máquina judiciária desnecessariamente.

Não se sabe se o jovem advogado pagou à senhora as custas e a multa cobrada pela Justiça do Trabalho, ou se indenizou-a pela perda da chance de processar a ex-empregadora – prescreveu o prazo para interposição de nova ação – mas fato é que o processo ficou conhecido na Justiça do Trabalho como “o caso da mulher que processou a si mesma”.

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