Provocação borincha (Adauto)

PROVOCAÇÃO BORINCHA 

 

ZÉ DO OLÍMPIO, assim apelidado, porque desde piá, se tornou apadrinhado do estancieiro Olímpio Olinger, o Gringo, na região de Lages, onde só era conhecido por este nome e não pelo de batismo e registro; enriqueceu vendendo gado para o padrinho e, depois, para si próprio, naquele domingo, em que ia haver rodeio no CTG “Guampa de Zebu”, lá no Sítio Antigo; pilchou-se todo nos trinques, vestindo a camisa xadrez vermelha, a bombacha de cento e vinte botões, preta com riscas de giz, ajeitando na testa o lenço colorado a segurar as melenas chistosas; passou graxa de potro nas botas de fole e bruniu   as chilenas de prata com flores de hibiscos; prendeu no pescoço o lenço , colorado, quebrou na testa o chapéu  Marcatto de feltro com o barbicacho de couro trançado e encilhou o mais bonito dos seus fletes com os arreios mexicanos de prata trabalhada sobre o couro,(bridão, peitoral, testeira, colar, sela, alforje, segura cola toda trançada), adquiridos pelo padrinho Olímpio em uma navio naufragado, ali pelos lados de Imbituba, antes do Farol de Santa Marta; prendeu o laço de couro de veado  de oito tentos no arção.  Na guaiaca, bordada e ornada de moedas antigas de ouro e cobre, taxas de inox, dinheiro muito, adaga carneadeira com cabo de prata e lâmina de mola de fordeco, novinha, e trinta e oito W&S, niquelado com cabo de madrepérola e marca no lado direito.  Estalou o arreador com cabo de cambuim e todo de couro cru trançado preso por anéis de aço.  Fumo de Taió e palha de milho peruano. Ia pra tudo. Valia a provocação que faria, particularmente aos gaúchos.

Em chegando, apeou, amarrou o flete no palanque, soltou um pouco a cincha e o bridão para ele poder comer no cocho próximo e foi-se direto ao fogo de chão, onde assava uma enorme costilla de boi e se mateava. Numa roda de uns dez lageanos.

– Bons dias, indiada – saudou. E foi saudado em resposta.

-Achegue-se. Já le passo a cuia, ché.

Pelas expressões, viu que era gaúcho e da fronteira. Bom para o seu propósito.

Recebeu a cuia, limpou a bombilha com o lenço maragato de seda, em gesto deselegante, mas proposital e falou:

–  Têm uns viventes que falam do Rio Grande, do Continente de São Pedro, como se não fossemos nós, os barrigas verdes, em especial os bois de bota do Continente das Lagens, e de Garibaldi,  que levaram a civilização e a gadaria para lá, prendendo-o em grandes potreiros e enormes mangueiras. Quando não solto. Deveria ser subdistrito do município de Lages estes campos e estes pampas. Se não, onde Vacaria, que foi nossa maior invernada? Criada e aproveitada pela lageanada e pelos lagunenses doutras épocas, quando havia uma meia dúzia de charruas e guascas gaudérios naqueles pagos.

Fez a bombilha chuchurrar na cuia e a devolveu ao ofertante, que já começava a tremer as mãos, os lábios e as pernas de raiva. Como, de resto, todos os chirus gaúchos da roda…

– O mate tá bom, mas melhor se fosse feito com as nossas ervas. Nós temos de duas qualidades. A de serra acima pro oeste, branda; a de serra cima pra Curitiba, braba. Mas muito saborosas. Da primeira, Catanduvas é a campeã; da segunda, Canoinhas. Sacou a carneadeira para esticar a palha peruana e puxou o fuminho de Armazém para o palheiro aromático, que foi picando com maestria, antes de enrolar na palma da mão.

Quando lhe passaram um pedaço de costela para provar, soltou mais uma:

– Costilla buena é com farinha de São João do Itaperiu, engenhada pela Dona Lola do seu Ramiro Gregório. Eles fazem também, o melhor polvilho do mundo pra coruja e pro nosso biloró, que vocês chamam de pão de queijo ou de mineiro. E prosseguiu, mastigando a carne, que apanhara na ponta da adaga, e picando o fumo.

– Fumito cheiroso – exclamou alguém – donde é?

-Do seu Marino do Fumo, lá de Armazém. Nem de Cachoeira é tão bom. Sempre que tenho um chasque, mando buscar um rolo pra mim. Ou pros perus. Que sempre tem gente na boca de espera. Como dizia, sabem o que vem fazer esta gauchada gaudéria, aqui, no nosso Estado? Quatro coisas, só!

O suspense foi geral. Estava próximo o revide, de boca, de braço e de adaga. Um contraponto geral. Os gaúchos não iam levar desaforo na garupa. Muito menos deste aspatorta. O mateador ouvia e enchia a cuia com a água, bufando.

Sentindo um cheiro gostoso, olhando para onde devia vir o aroma culinário, enorme panela preta de ferro, interrompeu o que ia dizer e falou:

– Já vou adiantando que Carreteiro, que se preze, tem de ser com arroz de Massaranduba, cebola de Ituporanga e frescal de Campo Belo, no mais….

E deu galope à provocação, circunvagando o olhar pelos circunstantes:

Para aprender é que os pampeanos vem a cá- Quatro coisas, eu dizia: Aprender a matear; aprender a montar a cavalo; aprender a assar churrasco. Pausou. E completou: A conhecer a história da Revolução Farroupilha, cuja heroína maior foi a catarinense Anita Garibaldi…

E antes que virassem os arreios e o marcatouro corresse, de prancha ou de talho, para sofrenar camorra, e se desparramasse pelo rodeio, colocando o desabotinado de rédeas no chão, com relancina, relinchão deu as gargalhadas gozadoras, bem acompanhadas pelos catarinas, fazendo-se entender na brincadeira, o que pealou o possível e quase funesto entrevero.

Carlos Adauto Vieira

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