Se não bastasse o coronavírus e os gafanhotos (Zabot)

SE NÃO BASTASSE O CORONAVÍRUS E OS GAFANHOTOS

Nestes tempos nada camaradas, se não bastasse o coronavírus, os gafanhotos também deram as caras. Apequenados, mas aloprados, tastaveiam tresloucados.  Rasantes inesperados. Arremessos às alturas. Adiante. Famintos de dar com os pés nos costados, segundo meu amigo Franklin. E tinha que surgir no Paraguai, e só podiam atrever-se a adentrar no Brasil cruzando pela Argentina. O que esperar dos portenhos, além de tangos e gafanhotos, tira de letra Franklin, ironizando.

Franklin andava sumido. Tempos de quarentena. Setentão, evaporou para escapar do vírus de Wuhan. Mas não adiantou; ilhado, foi perdendo a calma, e, ao que parece, o juízo.  É o que dizem à boca pequena. Ledo engano. Se não conhecesse meu amigo, pensaria assim também. Deu de circular sem máscara, só pra ver a debandada do público. Ressabiados, todos se afastam. Alguns sem meias palavras jogam na sua cara: – Saí da frente, doído. Franklin, nem aí. Alguns pensam que é sobrevivente, pertence ao grupo dos recuperados, daí a ousadia. E que o vírus pode ter-lhe afetado a telha. Nem a polícia o perturba. Julgam-no um caso perdido. Colônia Santana nele! Largam outros, mais veteranos. Mas como foi desativada, lugar de doido é na rua mesmo. Doido socializado, devidamente integrado ao convívio social.

Nada disso, no entanto, afeta a moral de Franklin. Franklin é da geração do sabugo. Aquilo que sobra do milho. Isso mesmo, da geração anterior ao papel higiênico. Orgulha-se de ter passado por tudo na vida. E que uma encrenca a mais ou a menos não o tira mais do sério. Pouco importa a pereba.  Contraiu sarampo, tosse comprida, varicela, amarelão. Sim, aquele do Jeca Tatú que de tanta preguiça, o sujeito não largava o toco. Ou por outra a moita. Chegou a roer carvão e tijolo. Sua mãe, dizia: – O Franklin não sei como está vivo. Atraia mais do que árvore alta que puxa raio. Alguém falava… fulano pegou malária. Franklin, bem antes, a contraíra.  E assim por diante.  Ah, picada de cobra, levou de cascavel a sururucú. De jararaca e coral, a verdadeira. Quando morou no pantanal montava em sucuri. Catava jacaré a unha. Picada de aranha, escorpião e o escambau. Mordida de cão, tantas levou que não se lembra. Sorte, escapou dos cachorros “locos”, comuns no mês de agosto.

No caso dos gafanhotos, Franklin anda encucado, e resolveu consultar-me, se há alguma fórmula mágica para contê-los. De preferência exterminá-los.  Claro que temos, amigo, mas vamos com calma.  Poucos apreciam pesticidas.

Vêm-me a ideia as práticas medievais. O Amor à natureza – e todos os seres vivos que nela habitam -, não é algo tão novo assim, parecendo coisa de ecologista de plantão. Naquele período da história da humanidade que estudiosos julgam como “a longa noite do apagão” (Idade das Trevas para muitos deles), o apego a natureza (que grata surpresa!), foi algo presente. Palpitante mesmo.  Predominava a escolástica, filosofia que preconizava amplo direito ao contraditório, mesmo para os insetos. Direitos e deveres iguais para todos: mundo animal e vegetal.

Diante de qualquer surto de praga que assolasse às lavouras, ou dizimassem os rebanhos, constituía-se de ofício, no tribunal, uma banca advocatícia com a incumbência acusatória e de defesa. Isso mesmo, praga tinha direito à defesa, e feita por jurista qualificado.  Em geral esses processos eram longos, pois as inquirições incluíam réplicas e tréplicas. Não raras vezes, nesse ínterim a praga desaparecia. A própria natureza se reequilibrava. Desfecho, obviamente, desejável, aos contentores.

Isso mesmo – aduz o amigo Franklin -, dando-se tempo ao tempo a natureza faz e a natureza desfaz. O mesmo vai se dar com o coronavírus e os gafanhotos, pondera eufórico.

– É Franklin, uma coisa era na Idade Média, outra bem diferente é agora. Todo mundo com pressa. WhatsApp e redes sociais correndo solto. Ah e – o mais grave -, juízes enfiando a colher em querelas políticas. Mundo das fofocas às avessas. – Cá entre nós: Veja o caso dos tribunais, inclusive os superiores.  Franklin não sossega; tem mania de mudar de assunto como biruta de aeroporto.

Interessante amigo, tasca! – Conhecia até os dias atuais o regime presidencialista e o parlamentarista, os principais. Ah, antes havia a monarquia, mas essa é outra história. O sujeito já nascia reizinho ou rainha.  Mas fracamente, emenda Franklin:  – Não conhecia o regime judicialista: governança de juiz. Coisa do Antigo Testamento. Até Samuel.

Pois é, meu amigo Franklin: – Há muito mais coronavírus e gafanhotos no ar do que pensa nossa vã filosofia. Depois do vírus judicialista, o que mais esperar?

 

                         Joinville, 27 de junho de 2020

 

Onévio Zabot

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