Setembro breve (Joel)

Setembro breve
Crônica, Joel Gehlen, AN 08/09
Agosto anda pela praia, os pés descalços, ninguém à vista. Quem há de registrar a exuberância dessa solidão? O mar beija e surra um corpo estelar em estado de rochedo. Os olhos transparecidos do vento se descaminham em seus contornos e tiram lascas de assovios que se desprendem do aço escovado do tecido que lhe cobre a nudez. Um lápis azul contorna contorções de anil derramadas do horizonte até o céu e a quilha dos flancos corta os oceanos dourados em doces lambidas do Sol, que deita sua última morada sobre espáduas seminuas.
Distraídos, os braços imitam asas, algas aladas e sem nome curvam a envergadura desse albatroz em voo rasante, alabastro sobre as águas que não dessedentam nem mesmo as ilhas dos seios a que os olhos se apegam como se fossem mãos, túrgidos de mistério e fome. A imagem ancorada na fotografia surge à borda da salsugem, como se não estivesse ali, feito miragem que nos impõe o que queremos ver. O silêncio salga a gosto os lábios unidos e quietos. Nas pálpebras orvalhadas da manhã surge, sussurrante, a palavra agosto; inteira, feito um objeto que se pudesse guardar no bolso, e depois se despedaça desperdiçada ao vento volúvel do Leste.
Setembro, meu amor, requer este aposto entre vírgulas, mesmo nessa humílima crônica que se publica num jornal do interior, sem outro pulsar que uma espera de leitura. Esse chamamento, essa homilia, esse bem-querer que se expõe ao relento, porque há promessas em botões que contradizem toda obtusa descrença. Gene da beleza se desdobra numa curvatura à janela, como se nela morasse o tempo extenso da morte de uma estrela. Aquela eternidade voraz que suga para dentro de si tudo que o olho toca, sem lamentações nem testemunho. Porém, ela está calma e nada mais parece haver além da sua imagem postada às imediações do mar e o suave contorno de formas arquitetadas em oposição à luz. Setembro traz esse travo tenebroso nas entranhas de seus fonemas. Uma palavra quase agressiva que não se pode dizer à meia voz, à qual depositamos tanta beleza passageira. No entanto, os dedos do sol sabem como moldar sua presença, despencam de sideral distância na ânsia possuir o barro que lhe dá forma, apenas para que possa haver essa intensa brevidade.
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