Visitou-me um dia, a Morte (Milton)

VISITOU-ME, UM DIA, A MORTE

MILTON MACIEL

 

Visitou-me, um dia, a Morte. Foi quinta passada.

Manifestou-se de repente e percebi que tinha chegado a minha hora.

A Morte não é a magra, nem velha, nem feia, com foice na mão. Bobagem.

Também não é o rapaz bonito do filme do Brad Pitt.

A Morte é só a Morte. Não é ninguém, uma pessoa. É impessoal

É uma …Coisa. Ah, e invisível, por sinal.

Você não vê, mas sabe que é ela, que ela chegou. E pra levar você!

 

Confesso que reagi mal. Também, me pegou assim de surpresa…

Devia ter sido mais delicado, menos grosso. Fui mal-educado. Muito.

Na hora fiquei irritado. Mais, fiquei furioso!

 

“Ora, vá encher o saco de outro. Tenho mais o que fazer do que morrer agora.”

A resposta não se faz ouvir, ela entra em sua mente, gritada em silêncio:

“Inegociável. Não há opção. Sem saída. Hora é hora.”

 

Xinguei. Palavrão que não escrevo aqui. Saiu!… Completei:

“Tou muito ocupado. Escrevendo um poema erótico. Você sabe lá o que é isso?”

Claro que a Coisa não sabia. Nunca teve Tesão em sua vida de Morte. Estranhou.

“Termine”, concedeu.

Terminei. Não ficou grande coisa, detesto escrever sob pressão. E falei:

“Ainda tenho que pagar estas duas contas – peguei os boletos e fui saindo – Você não vai querer que eu morra devendo estas merrecas, vai?”

 

Passei pelo meio da Morte. Senti que passava. “É agora que a filha da puta me pega!”

Não pegou. Não sei o que aconteceu. Acho que não esperava por isso, sei lá.

Fui à lotérica e paguei os boletos. Aí pensei na coitada da minha mulher.

Ia ter que encarar despesas de funeral, cerveja e salgados pra velório.

E uma roupinha preta, como é o costume da família caretona dela. Não ia ter grana.

 

Achei que devia pegar todo o resto do dinheiro que sobrou das contas e… jogar.

É, já que estava na lotérica… Vai que dava um terno, uma quadra, já ajudava a coitada.

 

Quando saí da lotérica, senti que passei pela Coisa de novo. Ela estava ali na porta.

‘É agora! Tomara que não doa…”

Mas percebi que a Coisa fez uma espécie de rodopio, deixou um vento e… sumiu!

 

Fiquei o resto da semana esperando por ela. Sei lá o que aconteceu. A Morte é esquisita!

 

Só sei que agora acabei de assinar todos os papéis aqui na Caixa Econômica.

No sábado passado a Mega Sena saiu inteirinha pra mim! Minha ex-futura-viúva está ali chorando de orelha a orelha, nos braços da gerente.

 

Rindo de contente é claro, uma grana desse tamanho! E chorando… bem, vai ver se deu conta que podia ter ficado com tudo só pra ela, se a Coisa tivesse cumprido direito o seu dever de ofício e ela fosse agora só mais uma viúva rica.

 

Ah, mas não vou ficar pensando essas coisas. Tá de bom tamanho assim. Só não posso esquecer de agradecer e de pedir desculpas quando a Morte voltar. Porque tá na cara que foi ela que me deu os números na lotérica. Na hora eu tive certeza. Não deu outra. A Morte é mesmo muito doida!

 

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