A invenção do amor (Marinaldo)

CRÔNICAS DE ADÃO E EVA

A INVENÇÃO DO AMOR

 

Marinaldo de Silva e Silva

 

Meu nome é Adão e falarei sobre o Éden. Nem sei como foi nomeado e propagado, se construímos a fala com a dificuldade dos surdos. Só sei que nascemos grandes, com todos os hormônios já em polvorosa, e, tendo que mantê-los escondidos atrás de folhas! Era engraçado! Algumas vezes eu a vi cheirando as folhas que eu usava e jogava fora, e ficava ali, meio amarela, meio corada, quando era pega em flagrante, fingindo que estava descobrindo o cheiro da selva.

Foi difícil o começo. Pensar era cedo e a única preocupação era os mosquitos. É claro, depois surgiram novos problemas. Não tínhamos uma instrução, um livro, ou algum modelo. Não sabíamos o que queria dizer ética, estética, diurética, anoréxica, cozinética; Já ouviram falar desta última palavra? Pois é, acabei de criar (risos). Então; Não tínhamos a quem copiar. Apenas um pensamento que crescia, límpido e divino, nos vigiando de cima das árvores e se comunicando conosco em forma de vento. As árvores nos faziam mímica. E nunca compreendemos nada! Depois, aprendemos a fazer concessões e a assim descobrimos a política, e que mentir, em alguns momentos, era necessário! Foi assim com o susto, com o improviso, como foi com a cobra, que iremos contar em outra oportunidade.

Eva, hoje, está calada, está meio rouca, gritou palavras novas ontem. O bom em sermos primeiros é que podemos falar qualquer coisa que ninguém vai saber o que quer dizer. Às vezes, ela pode até estar querendo xingar, e eu recebo aquilo como afago; ou vice-versa. Por exemplo, a pouco ela gritava: IPTU, IPVA, IPI… IP você, eu respondia! Daí ela se calou. Voltou às margens do Cachoeira, viu na água seu reflexo sempre em movimento, e me confessou, que teve inveja de alguns filhotes que por ali passavam à procura de tetas. Era o  máximo do conforto que não teve!

Agora estamos bem. Não sabemos ainda lidar com umas perturbações aqui no peito. Eu penso que é um castigo. Eva diz que é algo que ainda não soubemos nomear. Ela já chamou de estorvo, eu tormento. Depois cativeiro, mas não concordamos. É difícil achar a definição perfeita! Um dia, ela caiu lá pelas bandas do Piraí e gritou: “Ai que dor!”, e chegou em casa me contando. Você imagina que diálogo! Até entrarmos num consenso do que estávamos falando, era terrível. Até lembrar o que queria dizer cada uma das palavras que tínhamos inventado, era um delírio! Então entendi que ela queria dizer, que aquela aflição no peito, aquela vontade de cantar música alegre ou triste, aquela vontade de que eu fosse cada vez mais parecido com ela, era parecida com a “dor” que ela havia gritado quando caiu. E por ser tão parecida com a dor, nomeamos aquela fustigação no peito, de amor. E, pronto! O amor estava criado!

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