Ac. Fiuza leu “Depois da virtude”, de Alasdair Mac Intyre

Depois da virtude, de Alasdair Mac Intyre

Você é contra o aborto? E da eutanásia?  Pensa que a tortura pode ser justificada em algumas circunstancias? Se estas perguntas são difíceis, tente responder a algumas mais simples: Você faz, às vezes, uma pequena falcatrua para levar vantagem? Sonega impostos? Mente, de vez em quando?

Muitas vezes é difícil decidir o que é fazer a coisa certa. Grandes filósofos tentaram nos orientar a tomar as decisões corretas, formulando regras. Kant foi um dos maiores e um dos mais rigorosos. Para ele, só podemos fazer o que a razão dita e o que possa se tornar regra universal. Segundo sua deontologia, é inaceitável, por exemplo, mentir. Em nenhuma circunstância! Mas, essa regra é mesmo de ouro? Como deveríamos agir, por exemplo, se um nazista nos perguntasse onde está escondida a menina judia? Falaríamos a verdade?

Já o utilitarismo de Jeremy Bentham tentou ser mais prático. Devemos fazer o maior bem para o maior número de pessoas. Se há uma dúvida, é só calcular.  Assim, pagar os impostos é o correto, pois o dinheiro arrecadado servirá de obras para todos. Mas isso quer dizer que poderíamos retirar os órgãos de um garoto anestesiado para transplantar em cinco outros que dependiam daqueles órgãos para viver? Sabemos que não.

Nietzsche denunciou a fragilidade dessas regras gerais e concluiu que cada um deveria agir para seu próprio bem, para se tornar mais forte e viver plenamente a vida. As consequências funestas desse tipo de orientação foram atenuadas por outros filósofos, que intuíram que o homem age a partir de suas emoções e não da razão. Assim cada um saberia, sinalizado por essas emoções, qual o caminho certo a seguir. O julgamento moral passou a ser uma questão de preferência. Foi o caos, uma batalha de egos e de vontades. Perdemos a noção do que era o bem, a justiça, o dever. Ninguém sabia mais a resposta correta de nada.

O livro “Depois da virtude”, de Alasdair MacIntyre, mostra inicialmente essa história das teorias éticas dos últimos séculos e como elas não conseguiram nos levar a respostas confiáveis. Ao contrário, é frequente que nos sintamos em impasse sobre qual a decisão certa a tomar.

MacIntyre nos leva de volta à Grécia Antiga, à procura de uma resposta melhor. Ele nos conduz a Aristóteles, que baseia sua teoria ética no que ele denomina “telos”, ou seja, o sentido essencial da vida humana. As razões das ações humanas consistem em cadeias de meios e fins que convergem para um fim último, o bem maior. Este é a “eudaimonia”, no fim das contas, a felicidade. É mais do que o prazer, mais do que a honra ou mesmo a razão. A felicidade é o bem principal e é um fim em si mesma. Para seguir essa direção, o homem deve cultivar virtudes do caráter (como prudência) e virtudes do pensamento (como sabedoria).

Por outro lado, Aristóteles acreditava que o homem é um ser que nasceu para viver em sociedade. Para alcançar a felicidade, o homem deve procurar também o bem comum, diminuindo sua própria autonomia, em função do coletivo. Se isso é verdade, o homem deve agir em função da comunidade em que vive, respeitando suas tradições, costumes e histórias. Mantendo esta direção e dando o melhor de si, procuraria atingir a excelência e assim, o caminho para a “eudaimonia”.

Para isso, o homem necessitaria de guias morais, que poderia encontrar entre os homens virtuosos de sua comunidade. São aqueles cidadãos sábios, prudentes, os que dominam a vida prática. O homem poderia adquirir as virtudes morais mirando em seus exemplos e reproduzindo os seus atos virtuosos. É por meio da repetição que alguém se torna justo ou injusto, corajoso ou covarde, calmo ou irascível.

MacIntyre acrescenta que são esses homens virtuosos que constroem as narrativas (os contextos que fazem sentido) daquela comunidade e os que melhor seguem suas tradições. Eles avaliam os conflitos entre virtudes e conseguem decidir com moderação. Qualquer análise das virtudes deve considerar primeiro a vida prática em uma sociedade determinada. Deve analisar qualidades que contribuam para o bem de uma vida inteira, que sejam também vinculadas à procura de um bem para os seres humanos e avaliadas dentro de uma tradição social continuada. O exercício das virtudes não vale a pena por si só. Conseguimos valorizá-lo quando compreendemos o seu sentido e sua finalidade mais profundos.

O livro “Depois da virtude” foi publicado em 1981 e causou enorme impacto entre os estudiosos de Ética. Vale a pena ser estudado.

 

Resenha de Ronald Fiuza

COMPARTILHE: