Ac. Hilton Görresen leu “Carmen”, de Prosper Merimée

CARMEN – Prosper Merimée

 

Muitos apreciadores da belíssima ópera Carmen desconhecem o livro em que se baseou a obra, muitas vezes transformada também em filmes; um dos mais belos é Os amores de Carmen, com Rita Hayworth. Seu autor, o francês Prosper Merimée (1803–1870), foi, além de escritor, arqueólogo e filólogo, características que bem demonstram seus comentários  nessa obra.

Merimée, adepto do Romantismo, produziu inúmeros contos e novelas, como A Vênus de Ille, Mateo Falcone, Tamango e outros. A mais conhecida de suas obras, no entanto, é Carmen. Tem como protagonistas duas figuras romantizadas na Espanha do século 19: a bela e insidiosa gitana e o bandoleiro andaluz. Muitos desses bandidos foram famosos e viraram lenda, como Robin Hood.

O cenário da narrativa é uma Espanha pobre, há pouco saída do domínio napoleônico, com seu povinho simples, de profissões populares, suas crendices, seus pequenos traficantes, sempre fugindo ou se escondendo das forças militares.

Na figura de um pesquisador, o narrador percorre locais da Espanha, onde toma conhecimento da história dos dois amantes. A narrativa divide-se em dois planos ou duas vozes narrativas, como se quer atualmente: o plano do narrador, que discorre sobre sua viagem, os costumes da terra, bem como sobre a linguagem dos ciganos, chamados indiferentemente de gitanos, calés ou boêmios. O plano do personagem, Dom José, que narra o infeliz encontro e envolvimento com a cigana Carmen, o que irá arruinar sua carreira de soldado da guarda, transformando-o num bandoleiro. Esse modelo, aliás, de uma narrativa dentro da outra, não é novidade, vem desde o tempo de Boccacio (Decameron) e das Mil e um noites, passando por Eça de Queirós (Singularidades de uma rapariga loura) e Álvares de Azevedo (Noite na Taberna).

Como na ópera e nos filmes, o que ressalta é a figura envolvente e esquiva da cigana, que praticamente “rouba a cena”, uma precursora da femme fatale que manipula seus amantes, levando-os à desgraça. Seus “olhos oblíquos”, seu temperamento livre e comportamento indecifrável, foram, de acordo com o posfaciador do livro, o que influenciou nosso Machado de Assis (que foi leitor de Merimée) na construção de Capitu.

O ambiente andaluz, favorecendo a intensidade dos sentimentos e emoções que pulsam no sangue dos personagens, característica que Merimée explora como parte da “cor local”, fatalmente levou a narrativa a um final desalentador.

Hilton Görresen

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