Ac. Ronald Fiuza leu “Como funciona o fascismo”, de Jason Stanley

 

Como funciona o fascismo – Jason Stanley

 

Acabei de ler o livro do filósofo Stanley sobre o fascismo. Vejam a minha resenha:
Houaiss define fascismo como o regime político no qual os conceitos de nação e raça prevalecem sobre os valores individuais e que é representado por um governo autocrático, centralizado na figura de um líder forte.
O filósofo Jason Stanley, professor da Universidade de Yale, analisa as principais formas operacionais deste regime, nos 10 capítulos de seu livro “Como funciona o fascismo”.
A marca do fascismo é a divisão, a separação entre “nós” e “eles”. O “nosso” modelo é o único aceitável e devemos destruir o “deles”, utilizando as armas que forem necessárias.
O modelo fascista procura construir um passado mítico, aquele que “está sendo destruído pelos inimigos”. O tema principal pode ser religioso, racial, cultural ou tudo junto. Neste passado a família patriarcal é absoluta e a história nacional é gloriosa. Na criação deste modelo de passado, o fascista não se acanha em substituir relatos históricos por versões imaginadas ou inventadas. Os inimigos, os conspiradores, tentam destruir este passado com as suas ideias politicamente corretas, como igualdade, globalização e outras e pela ausência de um líder forte. “Nós” temos este líder, que vai se contrapor a estas ideias “comunistas”.
A propaganda sataniza os adversários, transformando-os em corruptos. É necessário oprimi-los. Propõem então fortes políticas “anticorrupção”, nem que seja preciso substituir o estado de direito pelas regras do grande líder. A propaganda não se preocupa com o racional e privilegia a emoção fanática. Muitos líderes fascistas são eleitos democraticamente, mas o seu compromisso com a democracia termina com a vitória.
Os fascistas não se pautam em ideias, mas em ação. Eles têm um discurso pobre e fogem do debate sofisticado. A educação de qualidade os ameaça. Eles atacam as vozes dissidentes, denunciam intelectuais, professores, universidades e áreas inteiras de estudo, taxadas de comunistas. Contestam a ciência e a mídia. A sua oratória não procura convencer o intelecto, mas influenciar a vontade, substituir o raciocínio por paixões, por medo, por raiva.
A mensagem provém de um único líder e seu grupo. Eles trocam a verdade pelo poder e o líder mente de forma inconsequente. Ele quebra a realidade, cria teorias de conspiração, denigre seus alvos. Não importa o absurdo das fake news, desde que provoquem suspeita. Intensificando os medos e aumentando os preconceitos, o líder ajuda a mentira a triunfar. Ele é tido como autêntico, como alguém que fala o que pensa. Parte da população fica mais atraída à medida que vê o sistema fascista favorecendo sua própria religião, raça, gênero ou nacionalidade.
A hierarquia é fundamental, como a natureza nos demonstra. A ideia da igualdade é a negação das leis naturais e o fascista a considera o Cavalo de Tróia do liberalismo. Esta ideia enfraquece a autoridade, facilita ao fascista a tomada do poder. Eles combinam então a ansiedade da perda de status com o medo da igualdade com os grupos odiados. A solução está no líder forte.
Os fascistas se vitimizam, exagerando o poder de seus inimigos. Tentam manter sua força proclamando o orgulho de suas identidades ameaçadas. O objetivo é a dominação e o nacionalismo passa a ser arma crucial. O grupo que almeja o poder (arianos nazistas, muçulmanos jihadistas, supremacistas brancos, anti-comunistas) definem claramente quem são os inimigos da nação.
Eles se proclamam garantidores da lei e da ordem, criando leis (como a de segurança nacional) ou interpretando as existentes (punição de atividades subversivas) em favor de seu sistema. Os opositores são vistos como ameaças à ordem pública. Tratam de prendê-los, até por infrações de trânsito. “Nós cometemos erros. Eles são criminosos”.
O líder fascista é análogo ao pai patriarcal. Deve proteger a família de ameaças. Deve ser superior às mulheres e protegê-las, com cuidado especial com as ideologias de gênero, aborto, estupro pelas outras raças, e mesmo com as crises financeiras.
As grandes cidades são fonte de cultura corrompida. É lá que moram os judeus, os imigrantes, os homossexuais, onde estão os guetos negros, os antros do crime. O fascista busca seu maior apoio nas pequenas cidades e no campo. Nestes, o estilo de vida e a religião tendem a ser uniformes. As grandes cidades são pluralistas e tendem a se opor ao fascismo.
Para o fascista os “outros” (os pobres, os negros, os judeus, os imigrantes) são preguiçosos e corruptos. Depois de criar outros estereótipos (sujos, dissimulados, ardilosos, suspeitos), tratam de persegui-los. O fascismo acredita em um darwinismo social, no qual a vida é uma competição pelo poder. Os vencedores o fazem por mérito próprio, com as condições propiciadas pelo grande líder.
Os mecanismos fascistas formam então uma estrutura que consolida a diferença entre “nós” e “eles”. “Nós” representamos o passado heroico e “eles” a elite corrupta que rouba o nosso dinheiro e despreza nossas tradições. Estes discursos se repetem tanto até parecerem verdade. Torna-se difícil manter o senso de dignidade, com o medo e a insegurança nos levando para os braços da superioridade mítica. A recusa a este feitiço pode nos garantir a liberdade de nos ajudarmos uns aos outros para levar uma vida digna, sem vender a alma.
As demonstrações do autor são apoiadas sempre por incontáveis exemplos, desde os precursores Hitler e Mussolini aos contemporâneos Trump, Putin, Orbán (Hungria), Erdogan (Turquia), Milosevic (Sérvia), Marine Le Pen. Ilustra também com movimentos atuais, como o dos supremacistas brancos americanos e os dos neonazistas alemães.
Publicado em 2018, o livro não cita exemplos na América Latina. Em entrevista recente o autor verifica que o Brasil tem flertes com o fascismo desde Plinio Salgado, passando depois pela ditadura militar. Hoje, Jair Bolsonaro mostra um estilo parecido com Trump.
Resenha de Ronald Fiuza
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