Angélica e seus três amores (David Gonçalves)

ANGÉLICA E SEUS TRÊS AMORES
David Gonçalves
O que se deu, muitas suposições. A cidade ferveu. Angélica era casada com bom marido. Mais do que bom. Juntos, dois filhos. Aos quarenta anos, vinte de casada, Angélica disse ao marido: Isto me cansa. O que te cansa? Esta vida no caminho dos ratos. Acordava para a vida? Não se sabe. Resolvera sair do casulo?
Era bonita, tinha corpo apetitoso, olhos de jabuticaba. Não quero perdê-la, disse o marido. Quero ser livre, disse ela. Por favor, não me sufoque. Tenho energia intensa para gastar.
Apaixonou-se pelo vendeiro, bem mais jovem, e passaram a se encontrar assiduamente. Gostava dele: era intenso, jovial, mas conversava demais sobre mercadorias, e isto não a completava. Mas satisfazia suas ansiedades.
O marido sabia? Fazer o quê. Amava-a. onde existe amor, não existe mal-querência. A cidade desconfiava. Nenhum segredo fica entre quatro paredes.
– Vamos fugir, ir para o Nordeste. Lá tem praias lindas. Eu vendo a mercearia e me estabeleço por lá.
Depois, voltava atrás, temeroso.
Angélica não o incentivava. Deixava-o sem chão. Depois do sexo, a conversa era comum, e ele voltava a falar dos produtos: banha, cereais, bebidas… Arre, que martírio!
Ela continuava insatisfeita, à procura, e não sabia o que era. Algo roia dentro do peito, silenciosamente.
Então o destino a enredou. Apareceu na cidade o poeta Damazo, professor da universidade, viajado, também à procura do inédito. Trazia rugas na testa e tinha setenta anos, cabelos brancos. Era conhecido. Mas a fama não satisfazia. Parecia cansado de viver. Andava encurvado.
Morava quase vizinho de Angélica. Não se sabe como se encontraram. O amor explodiu em ambos. A vida brilhou nos olhos de Damazo. Eu te quero, dizia ele, apaixonado. Nunca pensei que amaria como adolescente. Tenho o coração nas mãos. Angélica amava-o também. Aquele homem tinha mel nas palavras? Sentia-se planando nas nuvens. Queriam estar juntos. Conversavam por horas, no meio da noite, e a conversa não aborrecia. Algo inusitado.
– O amor, minha querida, é uma arte que nunca se aprende e sempre se sabe – dizia Damazo, olhos e mente apaixonados, luminosos. – Amei o Amor, ansiei o Amor, sonhei-o. Me perdi pelos caminhos. Agora, eu a encontrei.
Angélica tinha três homens. O marido – homem bom. O vendeiro – entendedor de mercadorias. O professor poeta – que a deixava enlouquecida.
Então, a cidade descobriu. Comentavam. Suposições. O marido desabafou: Assim é demais. Vê se toma jeito. Não tenho nervos de aço. Escolha com quem você quer ficar. Ela tremeu. A quem amava?
Dias infernais. Toda a angústia e ansiedade voltaram a sufocá-la. Dores no peito a oprimiam. Seguiria novamente o caminho dos ratos?
O Ano-novo se aproximava. O peito dela parecia explodir. A cidade festejava. Ela estava com o marido e os dois filhos e noras. Exatamente à meia-noite, silenciosamente, enquanto pipocavam os rojões, ela se retirou.
– Pra onde a gente vai? – perguntou a Damazo, trêmula.
– Ah, meu amor: do lado que o vento vai.
Nunca mais os habitantes tiveram notícias. Marido e vendeiro se lastimavam: A que ponto chegamos: perder para um velho!.
O que se pergunta: o fogo em brasa achara o ninho, finalmente?
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