Chuvas no Cubatão Norte (Zabot)

CHUVAS NO CUBATÃO NORTE

Vale do rio Cubatão, Joinville, eis uma região instigante. Ao alto, paredões alcantilados, Serra do Mar, imenso tapete verde a perder de vista. Mais abaixo o vale fértil, povoado e, mais adiante, à leste, a foz – a majestosa Babitonga -, antes, porém, o rio Palmital – um oceano de águas.

Quando criança, nos desenhos, ao fundo, nunca faltavam silhuetas de serra. Não aquela do elefante de Saint-Exupéry, mas montanha de verdade.

Segundo estudos geológicos o soerguimento da Serra do Mar ocorreu há cerca 80 milhões anos; exposição de antigas rochas de cerca de 600 milhões de anos.

Com o decorrer do tempo, no entanto, as águas moldaram-na, juntamente com a exuberante cobertura vegetal. O relevo irregular a caracteriza sobremaneira. Interpõem-se majestosa entre o planalto e a região costeira; areias quartzosas e restingas.  Perfil as vezes íngreme, as vezes suave, outras, sinuoso, mas, sobretudo, pitoresco. Místico até. Que o digam os montanhistas que ousam escalá-la.

Carl August Wunderwald – o maior topógrafo joinvilense de todos os tempos – afeiçoou-se a isso. Projetou com o Engenheiro Carl Pabst a antiga estrada da serra, hoje rodovia Dona Francisca (SC – 418). A senha, acessá-la pela margem direita do rio Seco.

Há passagens brilhantes nas narrativas do médico Avé-Lallemant que esteve na região, idos de 1858.   Wunderwald é escalado para conduzi-lo ao alto da serra: acesso íngreme e precário ainda em obras. Alguns moradores esparsos habitavam a inóspita região. A referência de então: a fumaça das fogueiras. GPS da época. Para tal, não raras vezes, Wunderwald subia em árvores, única  forma de avistá-las. Outras vezes, de posse duma potente buzina fazia-se ouvir. Buzinas ribombavam naquele cantão de mundo.

Cá entre nós, a comunicação, hoje tão trivial, em priscas eras, um senhor desafio. Que o diga Marco Polo ao cruzar a Ásia Central no século XIII.

Avé-Lallemant deixou um texto primoroso, vivamente impressionado com a paisagem, linguagem poética sobre a região. Na ocasião visitou a serraria do irmão do príncipe de Joinville, Duque D’Aumale, na confluência do rio Cubatão com o Rio da Prata. Movida à força d’água. Marcou época.  Ressalte-se: Avé-Lallemant, como médico deixou um ligado considerável à medicina brasileira, especialmente no combate à febre amarela, moléstia avassaladora.

Uma curiosidade: dia desses conversava com o senhor Schroeder, bananeiro e floricultor, falante e bom informado, referia-se à presença de Avé-Lallemant.  Esteve na propriedade, hoje, sua.  A impressão sobre a presença do médico foi de tal ordem que vem sendo, oralmente, repassada de geração em geração.

Abordar o tema: chuvas no rio Cubatão, obviamente, um senhor desafio.  Ou por outra, mais apropriado: na Bacia do Rio Cubatão. Hoje, Cubatão Norte, pois há outro com igual topônimo na Grande Florianópolis.

As ocorrências de eventos climáticos extremos, embora cíclicos, são bastante comuns nos contrafortes da Serra do Mar. Daí a relevância de obras como o canal de derivação do rio Cubatão, onde parte das águas, divididas pela barragem – evitam cheias à jusante:  região da estrada da Ilha e Jardim Paraíso. Historicamente, inundações na região são intercorrentes. Uma das maiores, 1995, rompeu a antiga barragem inundando Pirabeiraba. A barragem, parte em terra – um fusível de segurança -, palavras de Nilson Rocha do DNOS. Quinto Distrito com sede em Joinville. O estrago foi descomunal. Pontes arrastadas, estradas esburacadas, entulhos, seixo rolado e propriedade arruinadas. Hercúleo foi o trabalho de reconstrução. Entre os quais a barragem, projeto de USP.

Os moradores mais antigos, precavidos, adotavam certas cautelas. Construções em áreas mais elevadas e o devido distanciamento de ravinas íngremes.  Interpretavam as manhas do tempo. Ouviam aves e animais silvestres. Uivo dos cães.  Se cruzavam o rio de carroça, a primeira atitude:  conferir a carga de nuvens no alto da serra. Calculavam o tempo de partida e chegada, pois temiam as avassaladoras cabeças d’água. Evitavam transpô-lo caso o risco se revelasse iminente.  Com tempo, no entanto, esse hábito foi, gradativamente, se esvaindo, e ocupações em áreas de risco ocorrendo.  Atrevimento indevido.

Um fato pitoresco ocorreu em 1999, último dia do ano. Famílias de Joinville passariam o réveillon na estrada Quiriri de Cima, fundos. Parte do grupo levava pães, refrigerantes e cervejas, e a outra, carne para o churrasco. Chuva inesperada no trajeto. Torrencial, despencava aos borbotões. O grupo que seguia à frente conseguiu cruzar o rio Serraria, afluente do Quiriri, o outro que vinha logo atrás, não.  Arrastada pelas águas turbulentas rodou a velha travessia. Ponte improvisada. A escuridão e o barulho assustador das águas, cena macabra. O fato, pela forma que ocorreu, teve ampla repercussão.

No local para dar acesso provisório construiu-se uma pinguela. Obra da municipalidade. Emergencial, obviamente. Ônibus de um lado, moradores de outro. Um deles, imprevidente, ousa desafiar o perigo. A esposa grávida e os filhos, o acompanhavam.  Ao invés de seguir pela pinguela, irreverente – exibindo-se -, resolve cruzar sobre tubos revolvidos pela enxurrada. Se desequilibra, cai, e passa por dentro dos mesmos. Sobressalto, emerge logo abaixo. A cena fora pitoresca, senão cômica. Saiu nu, assim como nasceu. A esposa quase tem parto ali mesmo, e os filhos a berrar.  Sorte do gajo, pois vestes se recuperam. Esfolado, mas vivo.

Estudos conduzidos pela GTZ alemã após a ocorrência de 1999 apontaram a necessidade de intervenções pontuais, mas permanentes na bacia hidrográfica do rio Cubatão e adjacências. Referencial: contenção de torrentes, prática bastante comum, dado esse tipo de ocorrência, nos Alpes. Correções foram implementadas. Mineradoras contribuíram.  Ficou amplamente comprovado: as intervenções e melhorias devem ocorrer periodicamente. A rede de estações meteorológicas presentes na região, contribuem não só para disponibilizar dados, séries históricas, mas, em especial informações praticamente em tempo real.

Recorrentes, as chuvas na Serra do Mar quando intensas e volumosas sinalizam para parte quem habita por ali e, especialmente, frequenta a região, a devida cautela. Ao mesmo tempo que a paisagem se revela convidativa, inspira cuidados. E, cá entre nós: prevenção e informação, são fundamentais. Ditado popular confirma o fato: – um sujeito prevenido vale por dois.

Como estamos entrando na primavera, e logo vem o verão, fica o alerta para os banhistas que frequentam a região. Curtir, mas com prudência.

 

Joinville, 7 de setembro de 2021

 

Onévio Zabot

Engenheiro Agrônomo

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