Crônica, essa metida (Donald Malschitzky)

Crônica, essa metida

 

Sabe aquele cozinheiro que faz um prato espantosamente bom com o mínimo de ingredientes que, nas mãos de outro cozinheiro, nem em gororoba se transformariam? Assim Hilton Görressen consegue fazer com o que escreve: o mínimo vira o máximo, e ler seus contos e crônicas é sempre uma delícia. Em uma delas,  começou dando uma aula com o título: “Cuidado, uma crônica”,   e terminou com um aviso mais que verdadeiro alertando o leitor que não quer ser arrebatado pelo mundo da leitura para  tomar cuidado com ela.

Tenho a crônica como o primeiro gênero literário registrado – calma, calma, meus amigos puristas, é apenas uma suposição –, pois não era outra coisa que nossos ancestrais faziam nas cavernas com seus desenhos (faziam outras coisas também, mas não enquanto desenhavam, suponho…): registravam o que acontecia em seu mundo, ou seja; apresentavam a cronologia de acontecimentos. Com o desenvolvimento da escrita, a coisa foi se sofisticando, mas, no fundo, não é muito mais do que escrevia a Margarida, namorada do Pato Donald: “Querido Diário…”.

Essa forma coloquial, aparentemente simples, é seu grande segredo; voltando a falar de comida: mais ou menos como o sabor do que a vovó cozinha. Só que simples não significa simplória ou tosca, e aí vem o pulo do gato: como abordar assuntos complexos de forma que o leitor entenda e absorva sem se aborrecer? Como fazer para que a leitura desperte sentimentos que podem ou devem vir acompanhados de mais conhecimentos? Melhor começar um parágrafo novo.

Para quem acha que simplesmente sentamos e esperamos a inspiração vir, é melhor tirar o cavalinho da chuva: além do conhecimento que a vida oferece a todos nós, ao escrevermos, assumimos um compromisso de chegar o mais perto possível da verdade, e para isso, é preciso ir atrás, pesquisar, colocar em dúvida, enfim um processo que, apesar de todo o esforço, ainda deixa brechas. Essa é a tal da transpiração do autor, de que falam tanto.

Passa-se mais tempo pesquisando do que escrevendo, e ainda se espera que o autor transforme esse amontoado em isca para atrair o leitor e saiba que anzol usar. Tudo para que a crônica, essa metida, às vezes seja a entrada, às vezes o prato principal, às vezes a sobremesa e que sempre cumpra sua missão de cativar.

 

COMPARTILHE: