Dá pra abaixar o som? (David)

DÁ PRA ABAIXAR O SOM?  [conto]

 

David Gonçalves – Academia Joinvilense de Letras

 

O VELHO bateu palmas no portão. Uma. Duas. Três vezes. Um

dos jovens, taludo e tatuado, veio ao portão.

 

“Dá pra abaixar o som?”

 

Nem dava pra ouvir. Tum, Tum, Tum. O som ensurdecedor

ribombava nos tímpanos. Quebrava os limites do quarteirão.

Chacoalhava o cérebro. O velho foi embora. O jovem entrou na

casa e se ajuntou à farra. Fim de ano. Virada. De vez em quando,

um deles ia ao quintal e soltava um rojão de vara. Muita bebida e

droga. Elefantes voadores planavam. Aranhas peludas subiam às

paredes e teto.

 

Duas horas depois, o velho se postou novamente no portão.

Bateu palmas, aborrecido. Mais de três vezes. Outro jovem,

também tatuado, peito e braços e costas cheios de dragões. Tinha

os olhos vermelhos.

 

“Dá pra abaixar o som?”

 

E se foi, visivelmente perturbado. O jovem entrou na casa.

Lugar de velho é no asilo, pensou. Não tinha asilo na cidade? A

festa continuou. Mais bebidas, mais drogas, mais rojões. Risos,

gargalhadas. E o Tum-tum-tum ensurdecedor. O cérebro dançava.

 

Já era noite. De repente, labaredas e explosões na garagem.

O carro em chamas. A casa em chamas. Os jovens correm à

rua, apavorados. No meio da rua, segurando o galão de

combustível vazio, o velho olhava satisfeito.

 

“Será que, agora, dá pra abaixar o som?”

COMPARTILHE: