Da suposta suavidade das palavras

Na sua origem, o mundo era dual e tudo o que nele se passava era classificado entre seus opostos. Claro/escuro; certo/errado; bonito/feio; grande/ pequeno; muito/pouco; passado/futuro; bem/mal.

O mesmo acontecia às palavras. Umas se caracterizavam por  introduzir boas novas; outras, por anunciar maus agouros.

O verbo cometer, coitado, nasceu afeito a ocorrências negativas. Cometem-se abusos, crimes, erros, suicídios e gafes (mas jamais afagos ou elogios).

Em contrapartida, verbos como fazer e construir soam com alta reputação. Boas ações e projetos nunca são cometidos, mas feitos ou construídos. Às vezes, até, edificados.

Eis que de uns tempos pra cá o mundo encantou-se pelos tons de cinza, pelas opções alternativas, pela beleza do lusco-fusco.  E nesta onda em prol do caminho do meio, uma nova leva de palavras ganhou espaço e voz para minimizar os efeitos do que outrora era  conhecido como notícia ruim.

Chamam a atenção alguns vocábulos formados com a junção do sufixo ‘des’ a palavras até então de sentido positivo.

Os empregados (a quem sempre se estimulou o desenvolvi-mento de vínculos) deixaram de ser demitidos para serem desligados. As atividades ou parcerias que não existiriam mais esqueceram-se de ser encerradas ou interrompidas para ganhar um novo status: descontinuadas.

E o que dizer dos gordos – pessoas com sobrepeso? Ou dos

lerdos – seres com ritmo próprio? Dos pobres – desprovidos de recursos materiais?

Muito desta forma de falar, abordando a realidade pelas bordas, suaviza o discurso de quem precisa pronunciar algo duro, e propõe um tom mais ameno à conversa.

É fato, no entanto, que tal leveza não reduz (para quem escuta) o efeito amargo de uma mensagem que, em sua essência, permanece inalterado. Apesar do discurso generoso. E da suposta suavidade das palavras.

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