Leia a Lua, o Cosmos e o amor (Joel)

Ia começar com a despedida, três dias para o fim da primavera, solstício de verão, ano que finda, o aceno das pétalas que se derramam da bougainvillea. Há ciclos pequenos e grandes, dando início e findando a cada instante, assim, comemorar ou despedir é apenas um vício que nos anima. Aqui no meu tugúrio há uma extraordinária permanência: ainda é Lua Cheia. Fiz uma cama de papel e travesseiro de nuvens, onde ela se deita esplêndida como o susto no assalto de uma lembrança. Pode lá na abóbada celeste mudar de fase uma vez por semana, mas na página do livro nunca mais terá outro quarto que não a plenitude. Chama circulosa que resplandece 4.800 vezes pendurada no céu do varal, tornando o quintal destas noites para sempre enluarado.

                Tenho passado as horas da manhã, algumas vespertinas e tantas mais tardias, a imprimir as gravuras que ilustram o livro “Haicais da jornada (do monte à mente, sob a Lua do Buda)”. Entre poemas, luas e gravuras, são outras 14.400 impressões. É uma longa jornada, mas não tenho pressa, mantenho a constância, como se escalasse a montanha pela segunda vez. Um percurso que exige músculos, entusiasmo, afinco e amorosidade. Sempre cobra o seu quinhão da cervical. E a dor sopra pela flauta das vértebras uma escala musical. Vou ficar assim por todo o período festivo. No Dia de Reis, hei de despachar os embrulhos. Não levam mirra, incenso, nem ouro. Mas palavras, umas poucas palavras boiadas nas águas do alguidar. E a dedicatória: “com amor”. Junto vai o pedido a uma estrela para guiar os olhos de quem lê-las, que tenham sempre um coração receptivo como cajado.

Não posso desejar presente mais precioso do que esse íntimo convívio da escrita, do traço, do papel e da tinta. Não apenas a Lua Cheia, mas o Cosmos inteiro está em cada página. Penso no ensinamento do monge e poeta Thich Nhat Hann sobre vacuidade. “Quando olho uma flor vejo que está cheia de tudo: o sol, as nuvens, o solo, o tempo, o espaço, o jardineiro, tudo, incluindo a própria consciência”. Nada é separado do amor, esse transbordamento que enverga a bujarrona da barca dos seres amados para que cumpram plenamente sua potencialidade e propósito, nesse mundo.

Crônica de quinta, Joel Gehlen, 20. 12. 2019

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