Não sei e não saberei jamais (Fiuza)

 

Não sei e não saberei jamais

Fiuza

 

No final do século XIX as pessoas acreditavam que o poder da ciência era ilimitado. Desde que o método científico começara a ser aplicado, o conhecimento sobre o mundo se tornou cada vez mais consistente. O homem passou a ter uma noção mais e mais segura das coisas e a impressão é que desvendaria, passo a passo, todos os segredos do universo. Daí provinha uma consequência fantástica, a de espantar os preconceitos e demônios. A maioria das pessoas imaginava que as respostas faltantes viriam, era só questão de tempo. Sabiam que ainda era um começo, mas que começo!

Assim, a física descobriu leis importantes sobre a natureza e seus fenômenos, passando a entender o comportamento dos corpos, desde os muito pequenos até os muito grandes, das minúsculas partículas ao próprio universo. Foi um espanto!

Por outro lado, a química estudava a composição da matéria, a desvendar a estrutura dos corpos. Com seus experimentos, os químicos procuravam as substâncias elementares e seu comportamento, as moléculas, os átomos, as reações entre eles. Descobrimos de que são feitas as coisas, sua intimidade.

A biologia completou o núcleo duro do saber científico, dedicando-se ao estudo da vida. Aproveitando os conceitos das anteriores, estudava as moléculas vivas, sua organização em células, tecidos e organismos, bem como sua relação ecológica. Naquele fim de século as demonstrações de leis naturais como a evolução das espécies e a seleção natural abalariam crenças muito cristalizadas.

A evolução do conhecimento não trazia apenas melhor compreensão do mundo. Modificava também as nossas próprias condições de vida. Assim, a eletricidade e o magnetismo, a química dos medicamentos e a evolução da medicina foram exemplos de conhecimentos que facilitaram ao homem o domínio do planeta e a melhoria (e duração) de sua trajetória. A impressão é que a coisa estava bem encaminhada e que acabaríamos conhecendo tudo.

Um cientista de ponta da época discordou do otimismo dos contemporâneos. O fisiologista alemão Du Bois-Raymond considerava que o homem tinha e teria sempre limitações. Havia questões que definitivamente “não sabemos e não saberemos”, não adianta espernear. Assim ele listou algumas questões que estariam definitivamente fora da nossa compreensão, como a natureza do universo, a origem da vida, o mecanismo da consciência e a possibilidade do livre arbítrio, entre outras.

Mais de um século depois, continuamos sem respostas definitivas para os seus desafios, mas já há hipóteses consistentes para cada um deles. Assim, o Big Bang trouxe uma boa explicação de como surgiram as partículas, os corpos, o movimento. O caldo primordial foi o ambiente proposto para explicar como começou a vida na Terra pré-biótica. Seria uma sopa quente que conteria moléculas grandes como aminoácidos que, submetidas ao calor dos vulcões e aos raios da atmosfera poderiam reagir e produzir outras moléculas que, no final, conseguiriam se reproduzir. Já a consciência, ficou definido que se localizava no cérebro, onde bilhões de células se organizaram em circuitos cibernéticos de grande complexidade, surgindo daí uma propriedade emergente, essa noção que cada um de nós tem do mundo e de nós mesmos. Finalmente o livre arbítrio poderia ser encontrado em um pequeno hiato cognitivo, localizado entre universos de funcionamento autônomo, uma pequena brecha onde poderíamos decidir se viramos para a direita ou para a esquerda.

Nenhuma das hipóteses atingiu até agora o estatuto de lei científica, com as que nos legaram, Newton, Lavoisier ou Darwin. Mas são hipóteses bem formuladas, a partir das quais o método científico pode agir, experimentando, comprovando, falsificando ou, se necessário, recusando. Nunca teremos todas as respostas, isso parece claro. Mas, se conseguirmos formular a pergunta certa, poderemos ir atrás.

 

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