O fim da espera (Joel)

  1. O fim da espera
    Joel Gehlen, Crônica de Mahha Dharma, 9 de abril de 2020

O primeiro frio do ano do vírus está lá fora, chegou com seu restelo de jardineiro, para ajuntar folhas e almas. Não se avista mais flores no pequeno vale. Mesmo assim, minúsculas florações selvagens contrariam abril e soltam seus gametas, é preciso andar atentamente para não esmaga-las. São pequenas demais e assim que o dia começa, os colibris alucinam em busca de alimento que reponha a energia gasta na travessia noturna. A lua se debruça no balcão da montanha com olhar cabisbaixo, sentinela das noites e papisa dos ciclos, ela sabe dos dobres que repicam nas campânulas.
A espera é um exercício de humildade que desaprendemos. Nela se elaboram em nós as virtudes de pacientes (do latim patiens (sofrer, suportar), com algo de mansidão e de esperança, mas sem acomodação. Veja como a água se conforma com os contornos da ânfora que a contém, mas não perde a energia do movimento que é a sua natureza. À menor oportunidade vai se derramar e seguir seu caminho, enquanto o vaso não trinca, se evade como pode, em microscópicos rios se infiltra pela porosidade da cerâmica, ou se evola em gotículas de vapor, escalando os andaimes do ar. Enquanto espera, reveste-se de silêncio, largo e obsequioso, como o de quem se descobre diante de um féretro.
Pela boca da noite dou caminho às pernas. Subo a estradinha da encosta que vai ziguezagueando até o alto, de onde se divisa o anoitecer com todos os tons de gravidade e despedida. Há uma ladainha de grilos, sapos e pássaros que querem se fazer notar, talvez pela última vez, movidos pela incerteza de que vão voltar ao amanhecer. É a hora triste. Mas uma alegria impertinente entra pelo olfato e reanima os pulmões. Então, na macega oliva-escura destacam-se pequenos recortes brancos. São os lírios-do-brejo, imaculados como lascas de lua. E quanto mais escuro é o quadro, mais contrasta o seu giz. Amarro um ramalhete do seu perfume embaixo dos olhos e já posso dar os passos para descerrar o peito e evolar o inefável.

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