O vampiro (Alessandro)

O Vampiro

Ao cair da noite as aves dão seus últimos trinados e outros seres alados começam sua rotina. Os vampiros da Serra, cegos e famintos, partem em seu voo planado rumo às incautas manadas onde poderão cear á luz do luar gélido e sereno do planalto.  Seu raio de ação chega a 15 quilômetros, e Zezé, já aos 9 anos, sabe que tem a tarefa de proteger a única vaca da família, que pasta inocente no extenso quintal. Descalço, passa pela sala, assoalho rangendo aos leves passos, sente o cheiro agradável e suave da fumaça do fogão da Vó Santa, aroma este que carregará na memória olfativa pelo resto da vida, e chega ao piso de chão batido cozinha. Abre a tramela já lisa sem nunca ter sido lixada, quase centenária, e chega ao pasto no quintal.

Em meio ao milharal, que recorda trinta anos depois contando aos filhos, pareciam eternos apesar da rotineira colheita, e acessa a doce Aurora. Faz um leve carinho em seu pescoço, fraternal como quem acaricia uma irmã mais nova e a conduz ao precário celeiro.  Mal cabe lá dentro, mas acomoda-se como em seu quarto.  A noite já cai e logo que fecha a porta de madeira de araucária corre como que em fuga de algo misterioso e adentra a cozinha esbaforido. A missão de hoje estava cumprida. As sombras que vagaram sobre seus ombros durante a corrida não passavam de ilusão, vultos tremeluzentes de sua imaginação, pois o vampiro que seu irmão Solon contava nas noites de frias de céu limpo, aquecidos ao pé do fogão com pinhões sapecando na chapa, não existia. Ao menos era o que repetia sem parar, ecoando em sua cabeça… – vampiro não existe, vampiro não existe, não existe… E rezava uma Ave Maria recém decorada na catequese que o medo passava. Fazia um ano que seu pai partira.  Ainda não compreendia totalmente aquilo e nem o porquê, mas a vida seguia e já começava a ter nos irmão Solon e Nelson, o mais velho, a figura de educadores.

Na manhã seguinte, logo cedo, sol ainda escondido , tímido aparecendo, refez a rotina de soltar Aurora. E lá estava ela, pobre vaca, com o pescoço manchado com um filete de sangue escorrendo e duas marquinhas de dentes… Zezé ficou aterrorizado. Por um momento ficou paralisado e depois correu gritando por Solon. Ao chegar à cozinha, viu sua mãe e os irmãos às gargalhadas e Solon com uma galinha recém-abatida nas mãos, que Vó Santa ainda iria depenar para o almoço. Mas naquela manhã, Solon teve que soltar Aurora. Zezé não voltaria ali nem por um decreto, como dizia seu pai.

Curioso foi o vulto lúgubre que saiu à surdina planando para mata lageana depois que a vaca saiu do abrigo.

Alessandro Machado

Site AJL 13/01/2022

COMPARTILHE: