Relações de amor e ódio com o elevador (Hilton Görresen)

 

RELAÇÕES DE AMOR E ÓDIO COM O ELEVADOR

Hilton Görresen

 

Se há algo que pode marcar a vida de uma pessoa, esse é a primeira vez em que fez alguma coisa. A primeira vez em que a Dercy Gonçalves disse um palavrão. A primeira vez em que o Papa rezou o “Pai Nosso”. Fora aquela primeira vez que todos querem saber dos famosos. Dessa não vou falar aqui, mesmo porque não sou famoso. Mas existem outras que me ficaram na memória. E foram desastrosas.

A primeira vez em que entrei num elevador. Bom, a gente só via elevador em filme americano. Uns vizinhos foram ao Rio de Janeiro e vieram contando maravilhas desse meio de transporte. Viraram quase heróis.

Na década de 60, mal saído da adolescência, tive de ir ao Rio para tratar do início de minha vida profissional. Aí aproveitei para visitar um tio que morava num prédio em Copacabana, no sexto ou sétimo andar. E ali estava ele, o elevador, com a porta aberta, esperando pelo meu ato de inauguração.

Quando entrei, já havia umas duas pessoas. O elevador subiu. Eu achava que devia esperar que o bicho parasse e as pessoas saíssem, para então apertar o botão de meu andar. Mas iam entrando mais e mais pessoas, que o apertavam antes que eu pudesse fazer isso. Eu ia ao décimo andar; ali entravam mais pessoas, e eu ia até o térreo, sem oportunidade de parar onde pretendia. Acabei saltando no oitavo andar e descendo pelas escadas. Ufa! Que coisa complicada era o elevador.

A partir daí, começou minha relação de amor e ódio com ele. Só fui ter maior intimidade com esse maquinário quando vim para Joinville há alguns anos e passei a utilizá-lo diariamente. Descobri que andar de elevador é a melhor maneira de desfavorecer o diálogo. Se você levantar com o pé esquerdo, não tiver vontade de conversar ou de olhar na cara de ninguém, entre num elevador cheio de gente.

Passei anos subindo e descendo. A menos que você saiba voar, o elevador é o caminho mais rápido entre dois pontos na vertical. Mas eis que, um dia, o bicho parou comigo dentro, sozinho. Acabou a luz do prédio. O barulhinho do maquinário pareceu morrer de repente. Silêncio. E subitamente me senti como uma criança trancada num quarto escuro e sem portas. Tive a impressão de que o oxigênio ali dentro ia acabar em pouco tempo. Comecei a suar, as pernas bambearam. Apertei tudo quando era botão. Adiantava gritar dentro daquele silêncio que absorvia minha voz? Felizmente, meu sufoco foi breve, a eletricidade voltou.

Desde aquele dia passei a evitar elevadores. Só entro neles quando necessário. Mas ainda sinto um tremorzinho nas pernas.

TEXTO PUBLICADO NO JORNAL A GAZETA DE SBS EM 30.10.2021

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