Sofrimento e compaixão (Joel)

Sofrimento e compaixão
Joel Gehlen, crônicas Maha Dharma, 7 de maio de 2020

Nunca fez tanto sentido o amanhecer. Nunca o amanhecer da Lua Cheia de Maio fez tanto sentido quanto hoje. Talvez, não haja algo tão bem distribuído no mundo nesse momento do que o sofrimento. Há um clamor que grassa pela terra. Esta manhã pude ouvi-lo. As estrelas foram logo embora, talvez enciumadas do resplendor da lua; talvez, irritadas porque o luar deixou entreaberta a porteira que separa o dia da escuridão. A noite inteira aquela sangria azul que se avista nos dilúculos mais resistentes. De fato, não foi uma noite favorável às estrelas. Quando a lua já havia se posto e o sol ainda dormia no Oriente, apenas os planetas Júpiter e Saturno – dois do quatro componentes da grande conjunção de março – estavam visíveis na abóbada a cismar.
Todos os seres que sentem entendem o sofrimento. Desde as formas de vida unicelulares até o sujeito que se acha o suprassumo da espécie humana, todos querem desempenhar a sua função, o seu papel nesse mundo, cumprir o seu destino, o seu propósito, sem muitas complicações. E se possível, sem doer. Até mesmo uma célula “deseja” condições favoráveis e recusa ambientes tóxicos. Esse comportamento pode ser observado inclusive em estruturas mais rudimentares, nos filamentos de proteínas que compõem as células. Não se pode dizer que sofrem de angústia, mas está comprovado que dependem dos sinais vindos do ambiente externos para gerar as reações celulares. São elas que desencadeiam nossos humores.
O corpo humano é composto por 10 trilhões de células e mais 10 trilhões de outras vidas não-humanas, como bactérias. Multiplique isso pelo número de pessoas. Agora pense que o mundo tem cerca de 9 milhões de espécies. Sim, é um número muito grande. E tudo padece de sofrimento, não apenas os humanos. Ao amanhecer de hoje, ocorreu o ponto exato da Lua Cheia de Maio, a lua da iluminação de Buda, o ser que prometeu “liberar todos os seres sencientes” do sofrimento. Você pode não acreditar no Buda, mas dor e sofrimento todos já provamos. Hoje à noite, essa mesma lua vai fazer a travessia no céu, por um instante que seja, pare e pense. Em si e nos outros, mas principalmente nas formas de vida dessemelhantes à nossa. Todos sofremos, todos merecemos compaixão.

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