Tênis velhos (Andreia)

Tênis velhos, marcas e movimentos

Meus tênis, velhos companheiros, furaram. Um furo em cada pé, bem na direção do mindinho. Eu ia remendar o furo, mas fui conferir o estado geral. As solas estão desgastadas, escorregam quando eu faço alongamento. O tecido já está gasto em outros pontos além do mindinho, logo vão ficar puídos e abrir novos furos. Achei melhor aposentá-los.

Os tênis novos são perfeitos. Nada fora do lugar. Tudo do jeitinho que o designer projetou e alguém executou com maestria (seja uma máquina, seja um chinês que parece um robô, com movimentos que foram repetidos tantas vezes que ficaram tão perfeitos quanto a automação industrial).

Ali estão, lado a lado, numa prateleira improvisada, os tênis novos e os velhos. Encaram-me de longe, me fazendo pensar na vida. Cada marca nos tênis velhos são memórias. São mais que momentos: são movimentos. São dias no parque, com sol na cara e sorriso no rosto, enquanto eu converso na fila à espera da liberação do brinquedo. São dias de escola, correndo atrás de alunos e de professores, quando os pés, cansados dos saltos, imploravam pelo conforto que só os tênis são capazes de fornecer. São viagens a trabalho ou a lazer. São passos a esmo ou com direção certa. São começos de vida ativa, de exercícios em casa, de caminhadas na rua. São recomeços, depois de um mês inteiro de preguiça, mas com a garra de voltar à ativa da vida fitness. São marcas de autossuperação. São detalhes de uma vida usufruída.

Vida é movimento. Do momento em que somos gerados ao momento em que dermos nosso último suspiro. Tudo que está parado está fadado à morte. Definha. Somos 70% água — e todos sabemos o que acontece com água parada.

Na vida, que sejamos sempre o par de tênis que coleciona marcas, que desgasta com o uso porque foi bem aproveitado, porque colecionou instantes que nunca mais voltarão, mas que nunca se perdarão por completo. A perfeição do tênis novo é linda, mas precisa ser uma nova oportunidade de colecionar momentos.

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