Turismo Poético (Hilton)

TURISMO POÉTICO

Hilton Görresen

 

Quando criança, adorava ouvir uma música, há muito tempo esquecida: “vem viver o sonho lindo/que eu vivi/dentro dessa maravilha/ que se chama Guarapari”. Eu nem sabia onde ficava a tal de Guarapari. Mas a melodia era suave, gostosa, e eu imaginava uma Guarapari de sonho, romântica, misteriosa. É isso que a música faz com a gente, impregna coisas e locais com a beleza que está na mente do compositor. E nos torna turistas poéticos. Às vezes, com dois ou três coqueiros, o artista cria um paraíso.

Depois amei uma Bahia de Ary Barroso, terra da felicidade, com iaiás, tabuleiros e lindas baianas descendo ladeiras.

Sonhei com o luar do sertão, com onças e capoeiras, na batuta do mestre Catulo. Sertão com um luarzão que tudo clareia, que desconhece secas e dramas. Despedi-me com saudades da Serra da Boa Esperança de Lamartine Babo. Sempre chega a hora da partida, e partida é uma promessa de volta, melancólica numa letra de música. Escondida do mundo, Guacira foi meu pedacinho de terra, meu pé de serra que ficou nas lembranças ginasiais.

Quer lugar mais bonito que a antiga Desterro, nos versos de Zininho? Um pedacinho de terra perdido no mar, pérola da natureza, com figueiras e rendeiras. Local fora do mundo, onde se aporta sobrevoando como Peter Pan. O Rio de tanta violência, tiroteios, arrastões, balas perdidas, em minhas recordações afetivas permanece sendo a Cidade Maravilhosa, cheia de encantos mil, da canção de André Filho. Copacabana, a princesinha do mar, com suas calçadas cheias de volteios (ainda existem?) se espraia docemente na voz de Dick Farney.

O Caminito turístico que conheci não é o verdadeiro; para mim, é aquele bordado de trevos e juncos em flor, sangrando de melancolia na voz de Carlos Gardel. Nesse, deixei as recordações platenses do que não vivi.

E quem não quer viver em um país de morenas sestrosas, de fontes murmurantes e coqueiros que dão coco, na aquarela pintada por Ari Barroso? É esse o país onde vivemos? E recordar a infância livre e pura, com namoradinhas e professorinhas, no pequenino Miraí de Ataulfo Alves.

Já tive desejo de habitar o morro de Herivelto Martins, um morro sem traficantes e sem trocas de tiros com a polícia, onde, no fim do dia, os moradores se reúnem para “rezar uma prece”. Onde se tem o privilégio de viver pertinho do céu. Pra que pedir mais?

Sim, é bonito fazer turismo pelos cenários generosos pintados pelos poetas. Mas sempre é bom descerrar esse “véu de fantasia” em busca da realidade.

 

TEXTO PUBLICADO NO JORNAL “A GAZETA” DE SFS, EM 09.01.2021

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