Uma taça nos alcança (Joel)
Uma taça nos alcança
Crônica, Joel Gehlen, 21 de Novembro de 2019
Foi no dia de hoje, uma terceira quinta-feira do mês de novembro, há 2.418 anos, que Sócrates tomou a sua taça de cicuta. Não leve ao pé da letra, o suicídio nem a sua frase mais conhecida, “só sei que nada sei”. Não há que se matar, nem exaltar a ignorância. Talvez nunca a humanidade tenha perdido tanto a capacidade simbólica, quanto nos dias de hoje. Predomina uma linguagem binária em que tudo é isso ou aquilo, oito ou oitenta. Perdemos a capacidade da gradação das coisas, dos valores, dos sentimentos. Abrimos mão dos matizes e mergulhamos numa existência de alto contrate em preto ou branco. E reagimos seguindo esses estímulos contrários, exatamente como fazem seres tão primários quanto as amebas, que continuam mais ou menos iguais ao que eram há um bilhão de anos.
Conclamado a se defender da injusta acusação, Sócrates preferiu deixar que o julgamento expusesse as entranhas da máquina da Justiça; rogado para que negasse seus pensamentos e salvasse sua pele, optou pelo sacrifício do corpo e a salvação das ideias; concitado à fuga, preferiu fazer de sua morte mais um ato de filosofia. Exerceu o diálogo – seu método filosófico – até o último instante. O carrasco que lhe estendeu a taça de veneno chorava, os sete amigos com ele na cela, pranteavam. Ele, serenamente, libou aos deuses “pelo bom êxito na mudança de residência” e bebeu todo o conteúdo.