Voltei no tempo (Else)

Voltei no tempo 

Else Sant’ Anna Brum

O trecho de uma antiga canção diz: “O pensamento parece uma coisa à toa, mas como é que a gente voa, quando começa a pensar”. Então deixei o pensamento voar, voltando ao meu tempo de criança. Nasci numa casa bem grande, numa chácara enorme. A casa tinha sótão onde ficavam os quartos de dormir dos irmãos e irmãs. A escada para o sótão tinha 13 largos degraus. No térreo tinha a varanda da frente, uma ampla sala de visitas, outra de jantar com mesa para 12 pessoas, varanda lateral, o quarto do casal e o de hóspedes, banheiro (diferente dos de hoje) e cozinha com passagem para o engenho de farinha.

Na frente da casa havia um belo jardim com muitas flores e ao lado ficava a horta com verduras e legumes. Um poço protegido por paredes de tijolos supria a água usada para regar as plantas e para o uso no engenho. A água para uso doméstico vinha de outro poço de água cristalina, que ficava dentro de um galpão aberto. Tínhamos empregados que plantavam mandioca, milho, feijão, batatas, melancia, abóbora, abacaxi, etc. Muitas frutas. Lembro-me de uma alta cerejeira, um frondoso caquizeiro, duas jabuticabeiras, uma de frutas rajadas e outra de frutas escuras, além de muitas laranjeiras de várias espécies.

Tinha o galinheiro com ninhos suspensos nas paredes de sarrafos e poleiros onde galinhas e galos dormiam. No chão, espaço cercado para as chocas e os pintinhos. Tínhamos fartura de ovos. Tínhamos um bosque de eucaliptos ao lado de lindos pés de café que abasteciam a casa. Mais ao fundo, passando um límpido riacho com uma pequena ponte ficava a estrebaria com vários cochos para as vacas leiteiras e os bezerrinhos. Quem quisesse podia ir pela manhã com caneca de esmalte pegar o leite tirado na hora direto das tetas das vacas. Voltava então com um lindo bigode de espuma. O pasto era de um gramado bem verde e numa parte tinha as goiabeiras e os pés de tangerinas que, a partir de maio, quando ficavam maduras, atraíam compradores da cidade.

Quando se fazia farinha, era uma festa: mandioca no centro do engenho, pessoal ao redor sentados, raspando, outros girando a cevadeira, outros colocando os tipitis cheios de massa na prensa, outros na masseira, peneirando e levando a massa para o forno. Faziam-se os bijus de massa e de polvilho. O polvilho era extraído do líquido que escorria dos tipitis da massa comprimida pela prensa.

O pequeno rio que atravessava nossas terras nascia numa vertente em forma de cachoeira nas terras do vizinho, caía na nossa propriedade e formava primeiramente uma lagoa onde se criavam traíras e cascudos, para depois desaguar no rio chamado Policarpo.

Ah! Além do cachorro Kile, um pastor alemão, tínhamos a gata Chanica e o macaco Chico. Chico morava no caquizeiro numa casinha montada num dos troncos que fora cerrado formando uma base. Apareceu lá um dia e o adotamos. Nunca foi embora e morreu velhinho.

Quantas lembranças! A mais preciosa: meu amado pai Fernando, minha querida mãe Rosa (conhecida como Dona Rosinha) que faleceu quando eu tinha 9 anos, meus irmãos e irmãs. Além deles, minha tia Etelvina, irmã de papai, que sempre morou conosco e cuidou de nós depois que mamãe faleceu.

Voltei no tempo descrevendo a casa em que nasci e o que me rodeava nos primeiros anos de minha vida. Já morei em vários lugares, em ambientes bem diferentes, mas o tempo por mais que tenha passado, não consegue apagar do meu pensamento a imagem da querida casa em que vivi anos felizes da minha infância!

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