📘 ”Morreu John Le Carré” (Milton)

Morreu JOHN LE CARRÉ.

Foi no último dia 12. Imediatamente escrevi uma nota, mas acabei desistindo de postar, porque ficou muito grande para um grupo de WhatsApp. Mas hoje, face ao que Veríssimo publicou, animo-me a postar. Por quê?
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Porque este David Cornwell, britânico de pseudônimo John Le Carré, é um perfeito exemplo de confluência do literário superior com o gênero dinâmico, tema que discutimos aqui poucos dias atrás.
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Foi considerado o melhor romancista da segunda metade do século 20 na Inglaterra. Tiro do New York Times do dia seguinte: “He turned the spy novel into high art as he explored the moral compromises of agents on both sides of the Iron curtain (ele tornou o romance de espionagem uma alta arte, à medida que explorava os compromissos morais de agentes de ambos os lados da Cortina de Ferro).
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E hoje, vejo na coluna de Luiz Fernando Veríssimo no Estadão, estas afirmações:
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“Le Carré teve a sorte de ser o exemplo mais bem-sucedido da tradição anglo-saxônica de autores superiores produzindo para um grande público – gente como Eric Ambler, Len Deighton e, acima de todos, Graham Greene – sem sacrificar a qualidade literária. A sorte, ou a competência de Le Carré, foi a de reunir os três públicos num só mercado que, a partir do primeiro sucesso, “O Espião que saiu do frio”, incluindo adaptações para o cinema, nunca parou de crescer e render. A qualidade literária da obra de Le Carré é indiscutível.”
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Lembro a todos que não faz muitos anos que mais uma adaptação de livros de Le Carré para o cinema nos proporcionou o extraordinário “O Jardineiro Fiel”, com Ralph Fiennes e Rachel Weisz (que ganhou um Oscar pela interpretação), dirigido por nosso Fernando Meireles. Uma adaptação para a tela grande do livro “The Constant Gardener”.
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Mas não foram só esses dois os trabalhos de John Le Carré adaptados para o cinema. Posso citar também: “A Guerra no Espelho” (1970), “A Garota do Tambor” (1984), “A Casa da Rússia” (1990), “O Alfaiate do Panamá” (2001), “O Espião Que Sabia Demais” (2011), “O Homem Mais Procurado” (2014) e “Nosso Fiel Traidor” (2016). “O Jardineiro fiel” é de 2005.
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Fora isso, acho que pelo menos mais seis foram desenvolvidos como séries de televisão pela BBC, com a curiosidade que o autor participou em três deles como ator também.
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Estrelou-se David John Moore Cornwell aos 89 anos. Grácias, David John!
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Como disse acima, um perfeito exemplo de que se pode escrever literatura de alto nível e, ao mesmo tempo, chegar a um alto grau de comunicação com os leitores. O que, reafirmo, é cada vez mais cobrado dos melhores autores contemporâneos, justamente os que mais condições têm de produzir best sellers de altíssima qualidade, desde que aprendam a se adaptar aos novos tempos. Ou amargar a glória de estudos acadêmicos póstumos que lhes louvem a qualidade e lhes lamentem o pouco sucesso contemporâneo.
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Ou, quem sabe, como John Ronald Reuel Tolkien, falecido em 1973, ao ter a estranha glória póstuma acrescida de um pantagruélico resultado financeiro (para os herdeiros, bem entendido: 50 milhões de dólares só em 2009, por exemplo) – desse emérito professor universitário (de anglo-saxão, inglês e literatura inglesa), doutor em letras e em filologia, autor das séries O Hobbit, O Senhor dos Anéis e O Silmarillion. Dono de uma escrita primorosa, de altíssimo nível, muitas vezes sacrificada pela pressa da tradução para o português. Traduttore, traditore! – aforismo, reconheça-se, nem sempre justo. (MM, 17/12/20)

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