A invenção da política (Marinaldo)

CRONICAS DE ADÃO E EVA – A invenção da política

Marinaldo de Silva e Silva

Estava Adão e Eva, nos primórdios dos tempos, inventando coisas e antecoisas. Já haviam inventado
nomes, eles os primeiros dicionários! Já haviam inventado a mão a se fazer de prato, os dedos para
fazerem-se de pente, e do indicador inventaram a seta, e assim começaram a apontar as coisas. Estavam
extasiados com tanto ineditismo, e procuravam, naquela tarde, mostrar um ao outro um pouquinho a
mais de sapiência.
– Eva, vamos escolher um animal para ser o soberano?
– Que história é essa agora? Já não basta a minha soberania?
– Algum que tenha um…Deixe eu inventar uma palavra…Calma, vou inventar agora…Um plano! Algum
que tenha um plano!
– E o que vem a ser um plano?
– Troquei a pele do urso pela do avessauro pensando neste verano. Isto é um plano.
– Entendi. Tem a ver com precaução, palavra que você inventou ontem quando colocou galhos entre a
planície e a gruta para que eu não escorregasse.
– Mas claro…como eu não faria isso tudo se você não me ameaçasse em me deixar sem o cozido de
ganzo que você aprendeu quando dormia?
– Adão, eu não teria feito isso se naquele dia você não tivesse falado para o Sanhaço que faria qualquer
coisa para conhecer meu guizado!
– Travessa! … Ponto pra mim: inventei mais esta palavra! Travessa! Você anda ouvindo atrás das
urtigas! E como consegue ficar sem ter coceiras?
– Adão, Ádamo, Adam, Adion, adorno… tenho meus segredos. Guardarei-os para hora oportuna.
– Mulher, não esqueça que tu saiu daqui de dentro..olha, a cicatriz ainda te chama.
– Amor, não perca o fio da meada! Nossa, adorei essa mistura agora: fio e meada… nem sei que coisas
são ainda! Bem, não esqueça que ao sair daí deixei dentro de você uma grande parte minha.
– E o que tem de mim em você não conta?
– Você se vangloria pelo que fez mesmo que nunca tenha feito nada.
– Não fiz nada? E a cabana, a lança, a boleadeira, a propaganda!
– Propaganda! Pare de inventar nomes para o que ainda não existe! Que coisa é essa de propaganda?
– Não te falei? Pois é… corre por toda a mata que da turma dos animalis, eu sou o mais inteligente!
– E quem foi que confirmou isso?
– Bem, o leão e alguns felinos andam espalhando, que depois de mim, logo vem você, e depois…
– Mas com que intuito eles andam me colocando atrás de você, que só sabe produzir musculatura?
– Bem, vou confessar amor: o leão conta com meu apoio para que eu vote nele como soberano, o rei das
selvas, entende?
– E eu? Como que eu fico?
– Você me substitui acaso eu morra.
– A mais inteligente ao lado do mais inteligente. Ok. Já tem meu voto.

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