📖 Felicidade revisitada (José Carlos Vieira)
Felicidade Revisitada
O tema felicidade, desde que os gregos criaram esta palavra, tem sido objeto frequente de filósofos , poetas e músicos de todo o mundo. “Eudaimonia”, o termo cunhado pelos gregos, ainda é usado em Ética.
Agora mais recentemente, cientistas, psicólogos, médicos e outros especialistas estudam também com intensidade o assunto felicidade, ou bem estar, ou ainda o que a psiquiatria chama de estados afetivos positivos.
Curioso é que durante muito tempo os psiquiatras estudaram bastante as características das pessoas infelizes, mas quase nada a respeito das pessoas felizes. O pesquisador da Universidade de Oxford, C.R. Cloninger, em um artigo recente, coloca que a psiquiatria tem sido bem-sucedida em diminuir o mal-estar das pessoas, mas não necessariamente em aumentar o bem-estar delas. Outro estudioso do assunto,o psicólogo americano Mihaly Csikszentmihalyi (se pronuncia mirrai tchic-sentmirrai) aponta que a psicologia não é só o estudo da patologia e da fraqueza, mas também o da força e da virtude e diz que a felicidade pode ser explicada, medida e alcançada. Seu entendimento após mais de trinta anos de pesquisas é que, por exemplo, na educação de crianças, devemos ser capazes não de corrigir o que há de errado, mas sim de identificar seus pontos fortes, desenvolver seus talentos, suas qualidades e potencialidades.
Mas, voltando aos filósofos da antiguidade, o grego Thales de Mileto, no Século 7 A.C., identificava felicidade com saúde física e prazer sensual. Os pré-socráticos, de maneira geral acreditavam que a felicidade dependia dos desígnios dos deuses. Em muitas culturas do mundo antigo dominava esta crença religiosa. No Século IV A.C., Sócrates trás a visão inovadora de que buscar ser feliz é uma tarefa de responsabilidade do indivíduo e pregava que a filosofia seria o caminho que levaria as pessoas a atingir a felicidade. Para o grande Platão, discípulo de Sócrates, ser feliz era o mesmo que ser virtuoso, cumprir com seus deveres e não se afastar do que determina a moral. Aristóteles, seguindo os preceitos de Sócrates, atribui vários graus a felicidade e conclui que todos os outros objetivos do homem, como a beleza, a riqueza, a saúde, o poder e a sabedoria – a qual conferiu o valor máximo – eram meios de se atingir a felicidade, sendo esta a única virtude eu se constituía em um bem por si mesmo.
Santo Tomás de Aquino, no século XIII, afirmava ser a felicidade a comunhão total com Deus. Mas o Iluminismo trouxe a ideia de que todo ser humano tem o direito de alcançar a felicidade. O inglês John Loke recupera a ideia dos gregos anteriores a Platão de que a felicidade estaria vinculada ao prazer e que ela seria “o maior prazer de que somos capazes e a infelicidade a maior pena”.
Interessante é que a Revolução Francesa estabelece, como uma de suas ideias centrais, que o objetivo da sociedade deve ser a obtenção da felicidade de seus cidadãos e nada mais nada menos que a Declaração de Independência dos EUA, registra que “todo homem tem o direito inalienável à vida, à liberdade e à busca da felicidade” ! É a felicidade virando lei…
Immanuel Kant (1724-1804) via a felicidade como inatingível, pois, em sua opinião, dependeria da satisfação de todas as necessidades e desejos da pessoa e John Stuart Mill (1806-1873) afirma que a o homem só pode ser feliz se partilhar da sociedade como um todo.
Chegamos, nestas minhas anotações, a Freud: enquanto Jean-Paul Sartre condiciona o ser humano a viver a angustia, por ser livre para fazer suas próprias escolhas, o criador da psicanálise afirma que “o conjunto de nossa atividade psíquica tem por objetivo nos prporcionar o prazer e fazer-nos evitar o desprazer”.
No trabalho Felicidade: uma revisão, os professores de psiquiatria da FMUSP-Faculdade de Medicina da USP, Renata Barboza Ferraz, Hermano Tavares e Monica L. Zilberman mostram que “diversos estados e experiências podem produzir felicidade. Alguns exemplos são: o amor, a alegria, a saúde, a saciedade, o prazer sexual, o contentamento, a segurança e a serenidade. Emoções como tristeza, medo, raiva e nojo, além de estados afetivos como ansiedade, angústia, dor e sofrimento, costumam diminuir a felicidade.” A sua definição para felicidade é muito precisa: “A felicidade é uma emoção básica caracterizada por um estado emocional positivo, com sentimentos de bem-estar e de prazer, associados à percepção de sucesso e à compreensão coerente e lúcida do mundo.”
Esta revisão elaborada pelo professores da USP, baseada em uma busca computadorizada pela literatura que trata da felicidade, que resultou em 125 artigos pesquisados,.traz conclusões importantes e interessantes que respondem cientificamente as perguntas como ser feliz e quem é feliz.
Citam , por exemplo, o World Values Surveys (WVS), a maior pesquisa internacional já realizada, abordando de forma abrangente o sistema de valores humanos em mais de 60 países. O estudo publicado referente aos anos de 1999 a 2002, apontou que os escores mais elevados de felicidade foram encontrados, por ordem decrescente, em Costa Rica, México, Dinamarca e Colômbia. O Brasil é o 32º país do ranking, e os Estados Unidos, o 15º.
Pesquisa publicada em 2021 pelo Gallup World Poll, patrocinada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 142 países abordaram seis fatores: Produto Interno Bruto (PIB), expectativa de vida, suporte social, liberdade de expressão, generosidade e percepção da corrupção. A Finlândia foi eleita pelo quarto ano consecutivo como o lugar mais satisfeito do mundo em relação a esses parâmetros, seguida da Islândia (2°) e a Dinamarca (3°), a Suécia aparece em 6° lugar e a sua vizinha, Noruega, na 8° posição. O Brasil aparece no 41° lugar na lista, à frente de países como China (52°), Portugal (53°) e Colômbia (54°).
Felicidade estaria diretamente ligada ao dinheiro? Não é o que aponta outro estudo que avaliou uma amostra de indivíduos selecionada a partir de uma lista publicada na revista Forbes, que apontou as pessoas mais ricas dos Estados Unidos. Tal amostra relatou apenas um pequeno incremento nos níveis de bem-estar quando comparados com a média norte-americana; e 37% dos sujeitos reportaram níveis de felicidade inferiores aos da média.
Diversos daqueles artigos concluem que há evidência de menor mortalidade em populações com altos índices de afetos positivos, outros provam que felicidade não depende do sexo, da idade nem da aparência das pessoas.
Os estudos porém mostram correlação entre personalidade e felicidade comprovando que traços como extroversão e autoestima estão relacionados com maiores índices de felicidade, como também altos níveis dos componentes do caráter (autodirecionamento, cooperatividade e autotranscendência). Os “muito felizes” tem maior porcentagem de traços como extroversão, afabilidade, além de terem um menor índice de neuroticismo e menores escores de psicopatologia em diferentes escalas.
Outro aspecto que está relacionado com índices mais elevados de felicidade é a gratidão.
Chama à atenção a comprovação de que o comprometimento com a fé, seja por meio da religiosidade, seja por meio da espiritualidade faz as pessoas mais felizes. “As pesquisas atestam que pessoas que se descrevem como religiosas ou espiritualistas tendem a reportar maiores índices de felicidade e satisfação com a vida (Argyle, 1987; Myers e Diener, 1995; Moreira-Almeida et al., 2006). Além disso, tais indivíduos parecem lidar melhor com eventos adversos que ocorram no curso de suas vidas, como desemprego, doenças ou luto (McIntosh et al., 1993)”, dizem os autores da revisão bibliográfica.
Concordo com Csikszentmihalyi, também citado na revisão, quando observa que “é frequente, nos dias de hoje, que as pessoas sintam que suas vidas estão sendo desperdiçadas e que, em vez de felicidade, elas estejam repletas de tédio, ansiedade e insatisfação. Isso não é de se espantar, já que os valores contemporâneos de grande parte do mundo ocidental apontam para a crença de que seremos mais felizes se formos mais ricos, nos vestirmos na moda, consumirmos determinados produtos e tivermos determinada aparência física.”
Os estudos científicos apontam, pois, claramente, quais os valores e a forma de vida que nos proporcionará uma qualidade de vida sustentável, feliz, de forma duradoura.
Mario Quintana afirmou: “Faça o que for necessário para ser feliz. Mas não se esqueça que a felicidade é um sentimento simples, você pode encontrá-la e deixá-la ir embora por não perceber sua simplicidade.”
José Carlos Vieira