📘”Sinais globais” (Vieira)
SINAIS GLOBAIS.
JOSÉ CARLOS VIEIRA 11/09/2021
O ser humano em ação, seja no âmbito individual ou no coletivo, via de regra emite sinais daquilo que faz ou pretende fazer. E a Terra, como que confirmando a Hipótese de Gaia, reage e sente as consequências dessas guinadas da humanidade. Compreender os sinais e porque e como as coisas estão mudando pode nos orientar a um futuro mais feliz e seguro.
Se voltarmos os olhos para a história recente da humanidade, visualizaremos alguns sinais significativos que indicam com clareza o pensamento dominante e o estágio civilizatório em que nos encontramos. É o caso, por exemplo, da queda do Muro de Berlim, sinal que marcou o fim de um modelo – a obsolescência das idéias socialistas ortodoxas. Do socialismo, após a desintegração da União das Republicas Socialistas liderada pela Russia, sobraram três países: Cuba, a experiência mais próxima do êxito, mas com severas críticas à falta de liberdade política e à duradoura presença dos irmãos Castro no poder, a China que se desvia do socialismo para o “capitalismo de Estado” e a Coreia do Norte que se trata mais de uma tirania do que um projeto ideológico.
Outro sinal, este assustadoramente desconcertante e negativo, foi o ataque às torres gêmeas no fatídico “11 de Setembro”. Demonstrou a nós todos, abismados com as cenas que seriam incríveis em qualquer filme de ficção, que o mundo estava sob nova ameaça: a do fundamentalismo religioso em antagonia a intolerância racial e a opressão econômica.
Sobrevieram, como resposta, as invasões do Afeganistão e depois do Iraque pelos americanos, que se mostram hoje incapazes de trazer as realidades locais aos moldes ocidentais.
Menos de uma década depois somos surpreendidos por um novo sinal, positivo, que foi a eleição de um presidente negro (e com nome muçulmano) na nação lider econômica do planeta, Barack Obama, obtida sob a promessa de mudança para o país e para sua política global, a qual tem inegável influencia em todos os recantos do mundo. Caiam preconceitos e já aparecia naquela eleição a força das redes sociais, especialmente pelo uso das midias revolucionárias do Facebook, Youtube e Twiter.
Então se aprofundou a crise, originada no próprio ventre dos EUA pela bolha imobiliária, que se espalhou pelo mundo ocidental e acelerou as mudanças de comportamento prometidas. A impressionante soma de cinco trilhões de dólares que fora injetada no sistema financeiro mundial mostrou que, quando há disposição ou vontade política, podem ser arregimentados recursos e serem tomadas providências necessárias para salvar o modelo vigente.
O sistema financeiro ficou de pé, mas os mesmos um bilhão de habitantes do mundo, os excluídos, continuaram na fome e na miséria. A cultura capitalista salva mas exclui.
No entanto, a hegemonia americana, que fazia seu povo indiferente e alheio ao resto do mundo, dá lugar à nova configuração de poder, agora mais distribuído entre as nações, inclusive com a ascensão da China e do Brasil ao grupo que se firma como o novo conselho internacional permanente de cooperação econômica para administrar a crise, o G20. O próprio presidente Obama, em viagem à Europa, desculpou-se da “arrogância” com que trataram seus interlocutores outrora. Observe-se também a frase de Angela Merkel, chanceler alemã na ocasião: “Você percebe que alguma coisa mudou quando vê pessoas com bandeiras dos Estados Unidos nas ruas”.
Humildade e aceitação pareciam dar um bom começo para a mudança que necessitamos no mundo.
O “smartphone” foi a arma que deflagrou outro sinal, o evento que se chamou de “Primavera Árabe”. Começou com os primeiros protestos que ocorreram na Tunísia ao final de 2010, após um jovem ter transmitido sua própria morte no fogo, como forma de protesto contra a corrupção e os maus tratos da polícia, atingindo depois a Argélia, Jordânia, Egito e Iêmen e ainda, no mesmo contexto, a Síria. Os protestos resultaram na derrubada de três chefes de Estado: o presidente da Tunísia, do Egito e o da Líbia, morto em tiroteio.
Foi a primeira grande onda de protestos democráticos do mundo árabe no século XXI, causada por fatores estruturais, pelo desemprego, pelas más condições de vida, pela corrupção largamente exposta por governos repressores que deram lugar a um crescimento de representações islamistas de diversas índoles.
Sinais de sístoles e diástoles aconteceriam mais vezes.
É eleito, em 2013, o primeiro Papa latino-americano, o primeiro Papa não europeu em 1.200 anos. Escolhe o nome Francisco, dedicando-o à “simplicidade e dedicação aos pobres” de São Francisco de Assis. Na primeira mensagem de paz de seu pontificado, enviada aos líderes dos países e à ONU, o Papa criticou os mega salários e grandes bônus, dizendo na que são sintomas de uma economia baseada na ganância e na desigualdade. Acrescentou: “A sucessão de crises econômicas deve levar também a repensarmos os nossos modelos de desenvolvimento econômico e a uma mudança no estilo de vida”.
Donald Trump é surpreendentemente eleito Presidente dos Estados Unidos, em 2016, por eleitores predominantemente brancos, masculinos, heterossexuais e religiosos, com um discurso ultraconservador, nacionalista, incisivo, por vezes ofensivo e outras a beira do ridículo, aproveitsndo da falta de resposta dos progressistas e liberais à crise americana que deixou desempregados, indústrias quebradas e cidades em decadência. Prenunciava uma onda mundial de conservadorismo e um movimento antiglobalização, na mesma direção do Brexit – a saída do Reino Unido da União Europeia. Na eleição um detalhe: a combinação do uso das midias sociais com a inteligência artificial conduz o voto de muitos, chegando a colocar em suspeição a liberdade real do eleitor nesses novos tempos.
Em 2018, na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, uma jovem youtuber de apenas 16 anos, mas com milhões de seguidores, Greta Thunberg, lança um protesto que ecoou no mundo: “Roubaram os meus sonhos e a minha infância com as vossas palavras vazias”, diz emocionada, acusando os lideres mundiais de traição e de passividade face à crise ambiental. “Como ousam?”.
E então o encontro com a efemeridade da vida. O covid-19 (Sars-CoV-2) foi detectado na China, rápidamente se alastrou levado pelos viajantes, assolou países de todos os continentes, aterrorizou com muitas mortes e surpreendeu cientistas, médicos e pacientes. A pandemia foi tão grave como não se via há um século, desde a gripe espanhola. Uma ameaça inimaginável até então, assustadora tanto quanto uma guerra atômica.
Certamente no Brasil teríamos vivido uma tragédia maior ainda se não tivéssemos um sistema público de saúde com suas portas abertas para todos que buscaram atendimento na atenção primária, secundária e terciária e com profissionais de saúde de valor, coragem e determinação.
Joe Biden, o novo presidente americano, encerra a era Trump e no primeiro dia do mandato, em 2021, promove o retorno ao acordo internacional que tem por objetivo conter o aquecimento global. Os chineses e americanos, responsáveis respectivamente por 28% e 15% das emissões globais, em um raro momento de cooperação entre dois países, comunicaram que vão “combater as mudanças no clima com a seriedade e a urgência que o problema exige”.
A pandemia vem produzindo consequencias não apenas de ordem de saúde em escala global, mas também impactos sociais, econômicos, políticos, culturais e históricos sem precedentes na história.
Ela nos colocou em estado de alerta constante e impactou fortemente nossa maneira de pensar, agir e viver. Sabemos hoje que vivemos em constante instabilidade, para não dizer ameaça.
Temos como pano de fundo mudanças climáticas acontecendo, um “modus vivendi”, proporcionado pelo capitalismo com conflitos de culturas, de etnias e de religiões, muito mais acentuados pelas desigualdades que o sistema causa, com encontros e desencontros mais frequentes porque vivemos num mundo menor e mais veloz.
Estão acontecendo muitas transformações que envolvem política, economia, modelos de negócios, relações sociais, cultura e a relação com o espaço onde vivemos, entre tantas outras.
Mais do que a adoção do “home office” como uma necessidade e do “delivery” como apoio, passamos a experimentar virtualidades reais. À medida que os ambientes virtuais se tornam cada vez mais atraentes e reais, se fundem o mundos físico e virtual, redefinindo nosso senso de realidade, dando oportunidade a maneiras novas e inusitadas de convívio, trabalho, consumo e lazer. Já estamos experimentando espetáculos online, tours virtuais a museus e se fala em experiências imersivas, tais como viagens e encontros nessa nova virtualidade real.
Há o fato de que muitos empregos estão sendo fechados, alguns serviços e atividades deixam de ter tantas vagas e outros nascem e ganham mercado exigindo adaptação, preparação e treinamento, o que tem, diante do isolamento, impulsionado a educação a distância, cuja expansão deve se acelerar.
A ciencia, por outro lado, provou mais ainda seu valor na pandemia e a inovação científica passou a ser priorizada em muitas corporações, desde a utilização de inteligência artificial, a busca de novos materiais, produtos softwares e o uso do conhecimento da genética, entre muitas outras frentes.
A pandemia terá sido um “freio de arrumação” para a humanidade?
Seremos capazes de nos unir para reorientar o rumo do desenvolvimento mundial que pode aniquilar os seus habitantes, ou seja, todos nós, tanto pelas mudanças climáticas quanto pela exaustão dos recursos materiais, decorrentes da falta de sustentabilidade do mesmo modelo que está sendo salvo?
Calcula-se que há cerca de 1 bilhão de pessoas abaixo da linha da pobreza, com renda menor do que dois dólares por dia, e 2,5 bilhões com renda inferior a quatro dólares por dia: serão eles objeto de uma ação determinada e coordenada como a adotada para nos salvar do vírus?
Teremos como corrigir o capitalismo, modelo que nos resta, que exacerba o egoísmo e as diferenças sociais no mundo?
Certamente, será necessário acrescentar à humildade e à aceitação de nossa efemeridade e de nossa diversidade, a compaixão, o altruísmo e um verdadeiro amor à humanidade e respeito ao nosso lar, a Terra, para que não sejamos surpreendidos, a qualquer momento, por outro sinal global negativo.